Bombeiros falam em ao menos 200 desaparecidos sob a lama que soterrou a região da barragem da Vale. Presidente Bolsonaro lamenta tragédia e confirma ida a Minas Gerais

O rompimento de uma barragem da mineradora Vale na Mina Feijão, em Brumadinho, cidade da região metropolitana de Belo Horizonte, causou uma avalanche de lama e rejeitos de mineração que devastou parte da comunidade da Vila Ferteco, no início da tarde desta sexta-feira, 25 de janeiro. O desastre já deixou 7 mortos e os bombeiros ainda trabalham nas buscas e resgate de soterrados e estimam em 150 os desaparecidos. O presidente Jair Bolsonaro lamentou a tragédia e deve visitar o local no sábado. “Nos pegou de surpresa, estou dilacerado com o que aconteceu”, disse o presidente da Vale, Fábio Schwartsman. É o segundo desastre ambiental em pouco mais de três anos que tem Minas Gerais como palco e a companhia Vale como protagonista —há três anos, um desastre ambiental semelhante deixou 19 mortos em Mariana.

Segundo o Governo de Minas Gerais, “foram retiradas nove pessoas com vida da lama e cerca de 100 pessoas ilhadas foram resgatadas“. “Segundo dados transmitidos pelo representante da Vale ao governador mineiro, havia 427 pessoas no local, sendo que 279 foram resgatadas vivas. E são cerca de 150 pessoas desaparecidas, no momento, com vinculação à empresa. Bombeiros já solicitaram o nome dos desaparecidos à empresa”, diz o Governo em nota.
Miraí, em 2007, Macacos, em 2001, Mariana, em 2015. E agora Brumadinho. Os rompimentos de barragens em Minas Gerais remontam a 1986, quando foi registrado o primeiro acidente desse tipo, e as consequências são, historicamente, as mesmas: assoreamento de córregos e rios, cidades destruída pela lama e vítimas fatais. O Estado conta com cerca de 450 barragens e pelo menos 22 delas não têm garantia de estabilidade, de acordo com a Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais (Semad). A Mina Feijão, da mineradora Vale, em Brumadinho, que rompeu nesta sexta-feira e deixou pelo menos mortos e mais de uma centena de desaparecidos, estava “devidamente licenciada” e não recebia rejeitos desde 2015, diz a Secretaria. “Isso só mostra que não temos noção do tamanho do risco que há em Minas Gerais. Cidades inteiras podem desaparecer de uma hora para outra”, afirma Guilherme Meneghin, promotor responsável pelo caso de desastre de Mariana.

“É uma tragédia anunciada. É a quarta ou quinta ruptura de barragem nos últimos anos com esse caráter tão calamitoso”, concorda Marcus Vinícius Polignano, coordenador do Projeto Manuelzão da Universidade Federal de Minas Gerais, que monitora a atividade econômica e seus impactos ambientais nas bacias hidrográficas. Um dos problemas apontados tanto pelo promotor quanto pelo professor é que as próprias licenças de estabilidade são conseguidas depois de uma auditoria contratada pelas próprias empresas. “É uma furada”, resume Polignano.

Os especialistas ouvidos pelo EL PAÍS falam de uma “repetição de Mariana”, apesar das diferentes proporções —enquanto a barragem de Brumadinho armazenava uma tonelada de rejeitos, a de Mariana armazenava 50 toneladas—. A estrutura de ambas, no entanto, era similar:  eram barragens à montante, o modelo mais barato, construídas a partir da compactação de terra. Essas barragens começam com a construção de um dique e um tapete drenante, que serve para eliminar a água no interior da estrutura. “Se esse tipo de barragem não tiver um sistema de drenagem muito bom, a água vai filtrando, pouco a pouco”, explica Polignano. “Hoje nem estava chovendo na região, não houve nenhum fenômeno externo, a estrutura rompeu devido à sua própria fragilidade. Não havia segurança”, acrescenta. O aumento desse tipo de barragem, ou alteamento, como é chamado, é feito com o próprio rejeito em direção à barragem. Tanto em Mariana como em Brumadinho, essas construções foram feitas acima de zonas de aglomeração humana, como cidades e povoados. “O licenciamento ambiental é ridículo no Brasil. Para as empresas, é economicamente favorável construir esse tipo de barragens, mas elas representam um risco. Se a lei proibisse a construção de barragens à montante acima de comunidades humanas, como fazem muitos países, teríamos menos desastres”, critica Meneghin. Outro tipo comum é a barragem à jusante, considerada mais segura, apesar de ser mais cara. Esta também começa com a construção de um dique e do tapete drenante, mas o alteamento é feito para o lado externo da barragem e não usa o próprio rejeito. Normalmente, se usa argila e pedregulhos, retirados de outro ponto da mina, em vez de água, para evitar filtrações e eventuais rupturas. Há três anos, depois do maior desastre ambiental do país, organizações civis mineiras apresentaram à Assembleia Legislativa do Estado o Projeto de Lei de Iniciativa Popular “Mar de Lama Nunca Mais”, para exigir maior rigor no licenciamento de barragens e demandar que essas fossem construídas à jusante. O PL nunca foi votada. “É lamentável que mesmo depois de um crime ambiental do tamanho de Mariana não conseguimos mobilização política para fazer mudanças nesse sentido”, diz Polignano, um dos impulsores do PL.

Reparação

A lama decorrente da ruptura da barragem de Brumadinho destruiu o córrego do Feijão, afluente do rio Paraopeba, uma importante bacia hidrográfica do ponto de vista do abastecimento público. Os especialistas afirmam que a biodiversidade da região terá sequelas permanentes. “O rejeito de minério da Mina Feijão é parecido ao que atingiu o rio Doce e mata toda a fauna e flora aquática. A descontaminação é muito difícil. No rio Doce, por exemplo, a água não voltou a apresentar condições de uso”, explica Malu Ribeiro, coordenadora da ONG S.O.S. Mata Atlântica.

Mudanças na legislação que garantam a reparação ao meio ambiente e às vítimas é precisamente uma reivindicação de ambientalistas, promotores e cientistas. “Nesses casos, aplica-se o Código Civil, que prevê igualdade das partes, quando é claro que as empresas têm mais recursos que o cidadão cuja vida foi afetada. A Samarco [responsável por Mariana], por exemplo, recebeu mais de 60 multas e, até hoje, só pagou uma”, critica o promotor Guilherme Meneghin. “Esperamos que essa nova tragédia desencadeie novos procedimentos de reparação. Se não, só nos restará esperar a próxima tragédia”, conclui.

Barragem que rompeu estava desativada há três anos: “Nós não sabemos o que aconteceu”

O presidente da Vale, Fabio Schvartsman, disse em entrevista coletiva no Rio de Janeiro, antes de embarcar com destino a Brumadinho, que a barragem que rompeu estava desativada desde 2015. “Nós não sabemos a extensão ainda, não sabemos a causa. Mas o que eu quero dividir com vocês é o nosso profundo pesar pelo que aconteceu”, afirmou. “A Vale como um todo vai se preocupar profundamente com as vítimas, para resgatar as pessoas, atender as pessoas. (…) Quero oferecer nossas mais profundas desculpas“, completou. De acordo com Schvartsman, a barragem de minério de ferro pertencia à antiga Ferteco Mineração, mas não estava ativa desde 2015. Entretanto, o presidente da Vale afirmou que o último laudo realizado no local apontava que a barragem estava estável e que não indicava nenhum risco iminente. “A verdade é que nós não sabemos o que aconteceu”, disse.

Bolsonaro diz que tragédia poderia ter sido evitada

O presidente Jair Bolsonaro (PSL) disse que o desabamento de uma barragem da Vale em Brumadinho (MG)  poderia ter sido evitada e que o desastre de Mariana, há três anos, deveria ter servido de alerta. “A gente lamenta profundamente o ocorrido. A gente sabe que acidente como esse pode ser evitado, sim”, afirmou ele em entrevista à rádio Regional FM, de Brumadinho. “Depois da de Mariana, a gente esperava que não tivesse uma outra, até por uma questão de servir de alerta aquela. Mas infelizmente temos esse problema agora”, acrescentou o presidente. Conforme ele, representantes da Defesa Civil Nacional, e dos ministérios do Meio Ambiente e do Desenvolvimento Regional já se deslocaram para o local da catástrofe. O presidente deve se deslocar para a cidade na manhã de sábado.
O novo governador de Minas Gerais, Romeu Zema, disse que foi instalado um gabinete de gestão de crise para socorrer as vítimas.

Inhotim anuncia fechamento por tempo indeterminado

O Instituto Inhotim, museu a céu aberto que é um dos principais destinos turísticos do Brasil, disse não ter sido atingido, mas evacuou a área por precaução. “Em solidariedade ao município e a todos os atingidos, o Inhotim não abrirá neste sábado e domingo (26 e 27/01/2019). Aguardamos mais informações para definir a data de reabertura”, disse o instituto, em nota. Barragem de Brumadinho tinha estrutura similar à de Mariana Especialistas consultados pelo EL PAÍS explicam que a barragem de Brumadinho tinha a mesma estrutura da de Mariana: ambas eram barragens a montante, o modelo mais barato, construídas a partir da compactação de terra. Essas barragens começam com a construção de um dique e um tapete drenante, que serve para eliminar a água armazenada no interior da estrutura. O aumento desse tipo de barragem, ou alteamento, como é chamado, é feito com o próprio rejeito em direção à barragem. Outro tipo comum é a barragem à jusante, considerada mais segura, apesar de ser mais cara.Esta também começa com a construção de um dique e do tapete drenante, mas o alteamento é feito para o lado externo da barragem e não usa o próprio rejeito. Normalmente, se usa argila e pedregulhos, retirados de outro ponto da mina, para evitar filtrações e eventuais rupturas.

Três anos depois, vítimas de Mariana ainda esperam ter casas reconstruídas.

Tragédia da barragem do Fundão, em Mariana, deixou 19 mortos e danos socioambientais incalculáveis.

O mato já tomou conta das ruínas de Bento Rodrigues.

O mato já tomou conta das ruínas de Bento Rodrigues.
O rompimento da barragem de resíduos da mineradora Vale S.A. em Brumadinho, Minas Gerais, trouxe uma triste sensação de déjà vu para os brasileiros. Em 5 de novembro de 2015 uma tragédia semelhante em Mariana, no mesmo Estado, deixou 19 mortos e um rastro de devastação no ecossistema e nas vilas da região. Parte da lama que arrasou casas e plantações foi parar no oceano Atlântico depois de envenenar o rio Doce, naquele que até hoje é considerado o pior desastre ambiental do país. Estima-se que 62 milhões de metros cúbicos de lama tenham vazado após o colapso da barragem de Fundão. Os dois casos têm em comum um nome: Vale S.A., multinacional brasileira que operava a barragem de Brumadinho e a de Mariana – esta última via Samarco Mineração S.A., uma joint venture com a BHP Biliton, anglo-australiana.
A barragem do Fundão havia sido construída para abrigar os rejeitos da extração de minério de ferro da mina Germano. De acordo com a Samarco, ela passava por obras para aumentar a altura do aterro de contenção, tendo em vista que o reservatório já estava perto de sua capacidade máxima. Foi então que ele começou a vazar por volta das 15h, rompendo-se de vez pouco depois das 16h. O bairro de Bento Rodrigues, localizado a pouco mais de 2 km da barragem, foi praticamente varrido do mapa pelo fluxo de lama. Cerca de 400 famílias perderam seu lar. O trabalho de reconstrução das residências em um novo distrito por parte da Samarco está atrasado, com prazo de conclusão somente para 2020 – mais de cinco anos após a tragédia. “Essa é a estimativa para entregar todo o Bento, com todas as obras de infraestrutura, as casas, escola, igreja, todo o processo completamente terminado. Em 2019, já começam as casas”, afirmou Roberto Waak, presidente da Fundação Renova, criada pelas mineradoras envolvidas para pagar indenizações e realizar obras de recuperação. A relação entre a Renova e os moradores atingidos se deteriorou este ano, quando ela anunciou que irá descontar o valor pago de forma emergencial às vítimas do total da indenização, de acordo com o jornal Estado de Minas. A Fundação se comprometeu a pagar, em até 10 anos, mais de 4 bilhões de reais. Mas não foram apenas casas e pessoas que estavam no caminho do mar de lama da barragem. Horas depois do rompimento os rejeitos chegavam ao rio Doce, cuja baía hidrográfica se estende por mais de 200 municípios. Vários municípios sofreram com o desabastecimento de água, e tiveram que decretar estado de calamidade pública. Sem oxigênio nas águas, mais de 10 toneladas de peixes morreram em Minas Gerais e Espírito Santo. Algumas praias no norte do Espírito Santo tiveram que ser interditadas quando as águas turvas chegaram ao litoral. A Samarco sempre alegou que a lama que vazou da barragem não era tóxica. Dias depois do desastre veio à tona a informação de que a Samarco havia encomendado em 2009 um plano de estratégico emergência para uma situação como o rompimento da barragem, que previa o treinamento de moradores, monitoramento constante, sistema de alarmes e evacuação de comunidades. A iniciativa, no entanto, nunca saiu do papel. Sem um bom plano de emergência, coube à empresa comunicar os moradores que estavam no caminho do fluxo de lama por telefone. De acordo com o promotor de Justiça do Meio Ambiente do MP, Carlos Eduardo Ferreira Pinto, o que ocorreu em Mariana não pode ser chamado de acidente: “Não foi um acidente, tampouco fatalidade. O que houve foi um erro na operação e negligência no monitoramento”. O julgamento de 21 diretores e ex-diretores da Samarco, Vale e BHP BIliton, iniciado em 2016, chegou a ser suspenso em julho de 2017. Os defensores disseram que foram cometidos excessos na investigação, como por exemplo o monitoramento telefônico de seus clientes por um prazo maior do que o autorizado pela Justiça. O juiz Jacques de Queiroz Ferreira, no entanto, não encampou a tese, e retomou o caso em novembro daquele ano. Além de uma série de multas ambientais, as três empresas também fecharam acordo com o Ministério Público de Minas Gerais com relação ao pagamento de indenizações para familiares das vítimas e dos que perderam casas. A Samarco também precisou se comprometer a pagar indenizações para os pescadores que viram seu sustento desaparecer com os danos à bacia hidrográfica da região.

O que se sabe até agora sobre o rompimento da barragem:

  • Sete pessoas morreram e cerca de 150 seguem desaparecidas sob a lama
  • Minas conta com 450 barragens e ao menos 22 delas não têm garantia de estabilidade
  • Barragem estava desativada desde 2015 e Vale diz não saber as causas.
  • Presidente Jair Bolsonaro diz que tragédia poderia ter sido evitada.
  • Governo de MG cria gabinete de crise para socorrer pessoas atingidas.
  • Instituto Inhotim não é atingido por rejeitos, mas museu é fechado.
  • Barragem de Brumadinho tinha estrutura similar à de Mariana.
  • Três anos depois, vítimas de Mariana ainda esperam ter casas reconstruídas

Fonte | El País

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