Quem já teve a iniciativa/curiosidade de verificar a tradução para o vocábulo ‘gênero’ em dicionários escolares bilíngues, como o Longman e o Oxford, deve ter achado (dentre outras possibilidades) as palavras kind, gender e genre. Concisos e, exatamente por esse motivo, superficiais, esses dictionaries não trazem a riqueza de definição e de exemplificação que os dicionários monolíngues (aqueles apenas em inglês), como o Cambridge International Dictionary of English, conseguem oferecer. E o mesmo princípio se aplica ao termo ‘sexo’, ou ‘sex’. Mmm… Pensando em língua portuguesa, essa discussão se resume às palavras ‘gênero’ (ligada às expectativas sociais e aos padrões comportamentais) e ‘sexo’ (relacionada a fatores biológicos e fisiológicos). Na língua inglesa, ambas as concepções se concentram na palavra ‘gender’ (embora ‘sex’ também exista), de cunho sociogramatical, justamente o alvo da atual rebeldia linguística de proporção global, segundo algumas fontes midiáticas nem sempre tão confiáveis quanto elas querem transparecer. Exageros à parte, é sempre bom lembrar que, na língua portuguesa, na minha época de escola, nós dividíamos as chamadas classes gramaticais em 10, sendo que algumas delas, ainda hoje, não tendem a sofrer transformações nesse sentido em português (advérbios, conjunções, interjeições, preposições e verbos) ou em inglês (adverbs, articles, conjunctions, interjections, numerals, prepositions e verbs). Com a devida ressalva para as interjeições/interjections, pois elas podem ser utilizadas de maneira seletiva, pendendo apenas para o masculino (Jesus!), o feminino (Holy Mary!/Ave Maria!) ou a pseudo neutralidade pretendida (Geez!/Caramba!). Por outro lado, em português, os numerais cardinais variam apenas com os símbolos 1 (um, uma) e 2 (dois, duas), enquanto que os numerais ordinais variam na sua totalidade: primeiro/a, segundo/a, terceiro/a, etc. Na língua inglesa, no entanto, esse fenômeno de variação de gênero nos números simplesmente inexiste (one/first, two/second, etc.). Já no caso do uso dos pronomes pessoais em inglês (casos reto e oblíquo), a celeuma se restringe apenas à terceira pessoa do singular (s/he e him/her, respectivamente), com alguns respingos no it, enquanto que a problemática em português envolve os pronomes ele/ela, seus respectivos plurais e termos derivados ou relacionados a ambos (dele/dela, daquele/daquela, etc.). Em tese, portanto, os substantivos e os adjetivos são as classes gramaticais mais vitimadas por tais sugestões de mudanças, especialmente na língua portuguesa, por trazerem a centenária marca da ideia de masculino e feminino de forma mais constante e explícita. Já na língua inglesa, por exemplo, o uso do sufixo -ess (como em actress e poetess) também tem sido alvo de controvérsias quanto ao seu uso há algumas décadas, com forte tendência para as opções ‘actor’ e ‘poet’ tanto para homens quanto para mulheres nos últimos anos. Mas isso ainda não se tornou uma regra, ou uma imposição linguística. Como deve ter ficado evidente, essa questão toda é muito mais complexa do que muitos querem nos fazer acreditar. Para mim, é natural que as pessoas tentem simplificar aquilo que, por si só, já é complicado até mesmo na nossa própria língua, em que não enxergamos mais apenas em preto e branco, já que temos o colorido (ou ’em cores’). De modo similar, não existe um só tipo de pássaro, felino ou peixe. A língua (ou a linguagem), no entanto, ao que tudo indica, é outro departamento… Eu já disse e repito: eu sou a favor do respeito à diversidade e creio que todos nós, independentemente das nossas formações, convicções e predileções, devemos ter vez e voz para expressarmos o que pensamos e o que sentimos em relação a tudo aquilo que nos afeta direta ou indiretamente. Seja para realçar um fato inconteste ou até mesmo para defender uma mentira das mais cabeludas. Coisa de advogado! – diriam alguns, talvez. Anyway, para mim, o que importa é que todos nós temos que ao menos tentar fazer valer os nossos direitos civis e linguísticos, mas não podemos (jamais!) nos esquecer de que os nossos deveres, histórica e economicamente, sempre foram em maior número e raramente consensuais. Nos anos que estão por vir, tudo o que envolve a aceitação/rejeição da linguagem neutra certamente pode entrar para a história como um grande fiasco ou uma grande conquista da humanidade no campo sociolinguístico. E quais serão as consequências dos embates entre essas ideologias, utopias e terminologias? Only time will tell us, dear reader…
Via | JERRY T. MILL é presidente da ALCAA (Associação Livre de Cultura Anglo-Americana), membro-fundador da Academia Rondonopolitana de Letras (ARL) e associado honorário do Rotary Club de Rondonópolis.   Foto | Freepik
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