Pluma, caroço e subprodutos continham resíduos nocivos aos sistemas endócrino, reprodutivo, respiratório e neurológico, podendo causar óbitos por intoxicação. O Brasil, maior produtor de commodities agrícolas do mundo, está entre os cinco maiores cotonicultores do mundo e exporta milhares de toneladas da fibra, principalmente para Indonésia, Vietnã, Turquia, Bangladesh e China. No país, entre os três principais municípios produtores, dois se localizam em Mato Grosso, região centro-oeste do país, na bacia do rio Juruena: Sapezal e Campo Novo do Parecis, com respectivos 198.843 e 110.137 hectares do cultivo. Ao sucesso econômico, somam-se os impactos socioambientais. Uma pesquisa realizada pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) em parceria com a Operação Amazônia Nativa (OPAN) detectou  28 tipos de agrotóxicos na cadeia produtiva do algodão, 17 deles proibidos na União Europeia. Profenofós, que pode levar a óbito em poucas horas após inalação, metamidofós e  clorpirifós, capazes de causar uma série de problemas neurológicos como alucinações, perda da coordenação motora e falência respiratória, foram alguns dos agrotóxicos encontrados. Também proibido no Brasil, estava o carbofurano, persistente no ambiente, com risco à morte de pessoas e animais e de impactar os sistemas neurológico, respiratório, endócrino e reprodutivo. Além de amostras de pluma e caroço, essas com 100% das amostras contaminadas, produtos industrializados também continham resíduos: algodão para uso hospitalar, gaze, atadura, tecido de algodão cru e coador de café. Apesar da proibição desses produtos de alta periculosidade na União Europeia, a maior parte deles circula livremente pelo Brasil, onde só vem aumentando a autorização de novos agrotóxicos nos últimos anos. “Como eles são permitidos no Brasil, é como se houvesse uma naturalização dessa exposição, dessa contaminação e desse risco”, avalia Fran Paula, mestra em Saúde Pública, educadora da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (FASE) e representante da Campanha Nacional Contra os Agrotóxicos e Pela Vida. Levando em consideração que as pessoas e as lavouras coabitam o espaço, o perfil epidemiológico  da região está diretamente relacionado à alta quantia e toxicidade dos produtos. “Uma coisa que nos deixou muito preocupados foi o aumento dos casos de câncer infanto-juvenil, que nessa região especificamente, entre 2008 e 2017, teve aumento de 145% de internações e de 132% de óbitos”, afirma a professora doutora Márcia Montanari, coordenadora da pesquisa pelo Núcleo de Estudos em Ambiente, Saúde e Trabalho (Neast) da UFMT. Ela chamou atenção também para a quantidade de abortos espontâneos, três vezes maior na região quando comparado a outros locais do estado e do país. Povos indígenas de Mato Grosso, cada vez mais pressionados pelo agronegócio, sentem o aumento de enfermidades. Foram 905 internações por problemas respiratórios num período de 10 anos no estado, além de um aumento de 137% das internações por câncer. Na Terra Indígena Tirecatinga, localizada no município de Sapezal, a situação é dramática. “É um desastre isso que está acontecendo com a gente”, lamenta Edna Zoloizoqueimairo, indígena Paresi que vive em Tirecatinga e vem observando impactos na fauna, na flora, e na saúde das comunidades. “Eu não posso mais ter filhos, mas meus filhos e netos podem. Têm os filhos deles, os meus bisnetos, e já vou ter tataranetos. O futuro deles não vai ser bom, porque o agrotóxico vai chegar na vida deles, no sangue deles”, diz ela. Por conta disso, a sociedade civil brasileira está mobilizada pela proibição dos produtos já banidos na União Europeia. “São produtos justamente proibidos por apresentarem toxicidade à saúde humana e ao ambiente”, destaca Fran Paula. Junto à proibição, ela aponta também a necessidade de melhoria e regularidade das fiscalizações, afinal, são inúmeras as fragilidades no cumprimento da legislação, desde a compra até a forma de manuseio e o registro dos agrotóxicos que foram utilizados. Aos países que exportam agrotóxicos já banidos, fica a reivindicação para que interrompam o envio desses produtos. “A gente, de coração, manda uma mensagem para esses países: por favor não produzam esse tipo de veneno para mandar pro Brasil”, conclui Edna Zoloizoqueimairo.
Via | Assessoria   Foto | Dafne Spolti/OPAN
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