“It has always been easy to hate and destroy. To build and to cherish is much more difficult.” (Queen Elizabeth II, 1926-2022)* Em mais de duas décadas como articulista e escritor, eu já escrevi muita coisa sobre a língua inglesa e o inglês de muita gente, desde ilustres brasileiros como Rui Barbosa (1849-1923) e Jô Soares (que faleceu recentemente, no início de agosto deste ano) a ícones planetários como William Shakespeare (1564-1616) e Mahatma Gandhi (1869-1948). Nenhum deles, porém, viveu e influenciou tanto o nosso modern way of life de um jeito tão elegante e discreto, mas não menos perceptível, como Elizabeth Alexandra Mary, mais conhecida como Elizabeth II (ou Isabel II, para os portugueses), oficialmente reconhecida como a rainha do Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda e monarca soberana dos reinos/países da Commonwealth of Nations (Comunidade das Nações) por mais de sete décadas. Embora inevitável, a notícia do falecimento de Vossa Majestade trouxe um misto de incredulidade e comoção à grande maioria da população mundial. Em especial a aqueles que (conhecem quem) têm aparelhos celulares e estão conectados à rede mundial de computadores, mais conhecida como internet (ou web). O fato é que, passadas apenas algumas horas do anúncio do passamento de Her Majesty, provavelmente 80% dos habitantes do planeta já sabiam do ocorrido. Uma vez divulgado, poucos foram aqueles que demonstraram indiferença ao fato ou deixaram de reconhecer o seu impacto. Historicamente, em quase um século de vida, Lilibet (como ela era carinhosamente chamada apenas pela família desde a infância) presenciou várias mudanças no mundo. Com o passar do tempo, como era de se esperar, ela mesma foi se transformando: da moçoila com ar de inocente que assumiu o trono em 1952 à senhorinha quase centenária que, já bisavó, tornou-se um símbolo popular em todo o mundo – apesar dos altos e baixos que o seu reinado presenciou. Ainda assim, de tudo o que ela fez pelo seu povo e pelo seu reinado, uma das suas maiores contribuições, com certeza, foi manter o status da monarquia britânica como uma das mais famosas e influentes do globo terrestre, bem à frente da espanhola, japonesa e dinamarquesa, por exemplo. Também por isso, de forma direta ou indireta, o seu papel como monarca assegurou ao idioma bretão a posição de lingua franca dos dias atuais, sendo que o sotaque inglês cultuado por ela continua a ser um dos mais admirados do planeta. Aliás, há aquilo que é respeitosa ou debochadamente chamado de Inglês da Rainha (ou Queen’s English, no original). Literalmente, tal construção refere-se à forma como ela (ainda viva) pronunciava as palavras, bem como à maneira como sua voz (ou pronúncia) mudou nos últimos 70 anos. Também conhecido como BBC English (inglês da BBC, em referência à British Broadcasting Corporation, a rede pública de rádio e TV do país), trata-se do inglês padrão (standard English) que a maioria dos falantes de inglês como segunda língua ou estudantes do idioma como língua estrangeira associa ao povo do Reino Unido – geralmente com gramática impecável e sem o uso de gírias. Também fluente em francês, Elizabeth II por vezes era uma figura meramente decorativa e falava inglês em público de maneira protocolar. Ainda assim, o seu jeito de falar (e se comportar) é uma das coisas de que as pessoas mais se lembram dela (além das suas roupas e tiaras), pois ela falava um estilo de inglês que foi adotado pelas classes mais abastadas do século 18, chamado Received Pronunciation (ou RP – ‘pronúncia recebida’, literalmente), ainda comum entre a elite e a mídia do país, e ensinado aos estudantes estrangeiros nas escolas. Mulher de poucas e sábias palavras, especialmente em seus discursos em público, seu inglês era visto como a forma ideal e apropriada de se expressar. Sinônimo de prestígio e habilidade linguística para quem a imitava, desde a forma peculiar de pronunciar a letra H no início das palavras, passando pela ênfase à letra T, até o frequente uso de “darling” ou “dear” e “oh” com a boca bem aberta, como se estivesse numa consulta odontológica. Ou numa peça de teatro (de mau gosto), diriam alguns de seus detratores. O fato é que essa forma de falar inglês é apenas uma dentre as dezenas existentes no mundo atualmente. Cientificamente falando, não existe um sotaque perfeito. O máximo que se pode dizer é que houve (e ainda há) um “inglês dominante”, embora formas mais populares como as vertentes norte-americana, indiana e sul-africana tenham o seu quinhão de importância na realidade mundial contemporânea. Ou seja, idioma oficial de mais de 50 países e língua de interação entre a maioria dos povos hoje em dia, não há como negar que há diferentes sotaques, bem como existe a necessidade humana de desenvolver sua capacidade auditiva e oral através da prática constante, seja qual for o objetivo final. Daí a “indústria do inglês” movimentar bilhões de dólares ao redor do mundo anualmente, com ou sem o dedo da rainha. Agora que o primogênito da rainha Elizabeth II e do príncipe Philip Mountbatten (Charles Philip Arthur George) se tornou o monarca, Charles III passa a ser a (má?) referência para os ingleses, britânicos e demais povos próximos ou distantes. A partir de agora, fala-se no Inglês do Rei, ou King’s English. O que deve permanecer mesmo depois que ele for sucedido pelo agora Príncipe de Gales, William Arthur Philip Louis. O que, para o bem ou para o mal, não deve demorar outros 70 anos, dear reader… * “Sempre foi fácil odiar e destruir. Construir e valorizar é muito mais difícil.” (Rainha Elizabeth II, 1926-2022) P.S.: Em 2021, a revista Forbes estimou o patrimônio líquido da rainha em 500 milhões de dólares. Para além do trono e suas benesses, eis uma herança e tanto…
Via | JERRY T. MILL é presidente da Associação Livre de Cultura Anglo-Americana (ALCAA), membro-fundador da ARL (Academia Rondonopolitana de Letras) e associado honorário do Rotary Club de Rondonópolis.
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