‘Foi Deus que me tirou”, disse Luiz Sávio Lopes de Castro, que trabalhava para terceirizada da Vale na Mina do Feijão.

“Corri, olhei para baixo assim e via aquele monte de rejeito engolindo os companheiros da gente. A caminhonete da empresa, [a lama] jogou ela para cima igual papel. Os [veículos] fora de estrada rodando. Locomotivas MRS rodando igual um furacão assim”. Essa cena não sai do pensamento de Luiz Sávio Lopes de Castro, de 60 anos, desde a tarde desta sexta-feira (25). O armador de ferragem é uma das pessoas que estavam na Mina do Feijão no momento do rompimento da barragem da Vale. Ele diz que só conseguiu escapar daquela avalanche de rejeito porque estava no segundo andar de um galpão onde funcionava o britador – conhecido como ITM.

Fazia apenas dois dias que Luiz trabalhava neste local. Funcionário da terceirizada Reframax, ele foi deslocado para o ITM porque o trabalho que fazia na casa de bomba – que foi tomada pela lama – havia finalizado.

“Foi Deus que me colocou lá para eu sair, para eu sair ileso. Eu creio nisso. (…) Por mérito meu, não foi que eu saí de lá. Foi Deus que me tirou. Tanto que Deus me tirou que eu ia trabalhar lá embaixo e eu vim cá para cima para trabalhar”, afirma

Segundo Luiz, enquanto o mar de lama se aproximava, pedras batiam nas estruturas do ITM e ferragens se rasgavam igual a papel, ele só pensava em correr em busca da sobrevivência. O armador de ferragem conseguiu sair por uma escada desativada e chegar em ponto seguro. “Não que eu sabia desse ponto seguro. Meus óculos ficaram todos sujos de barro, fui correndo, sem saber para onde eu estava correndo. Um colega falou assim: ‘Seu Luiz, passa por aqui’”, relembra.

Na correria, Luiz machucou o nariz, a boca, o joelho e pé. Depois que estava em segurança, ele perdeu a consciência. O socorro foi feito por colegas que o levaram para a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) de Sarzedo, já que o acesso a Brumadinho estava fechado.

“Agora, só emocional meu que está fraco, porque isso não volta, não. Você perder companheiros, não volta. Hoje eu posso abraçar minha família, abraçar minha esposa, meus filhos, meus netos. E aqueles que estão lá? E a família deles, os familiares? Então, é doído”, diz.

O armador de ferragem conta que a maior parte dos outros trabalhadores que estava no mesmo galpão que, mas no primeiro andar, não não teve a mesma sorte que ele. Luiz diz que entre os companheiros de empresa, estão dezenas de vítimas. Entre os amigos, a lista desaparecidos também é extensa.

Com pesadelos contantes, Luiz tem recorrido a remédios para conseguir dormir. Ele vive em um dos bairros em que moradores precisaram deixar temporariamente as casas depois de sirene tocar às 5h30 no domingo — Foto: Raquel Freitas/G1

Com pesadelos contantes, Luiz tem recorrido a remédios para conseguir dormir. Ele vive em um dos bairros em que moradores precisaram deixar temporariamente as casas depois de sirene tocar às 5h30 no domingo — Foto: Raquel Freitas/G1

Com as imagens da destruição vivas em sua memória e tendo pesadelos constantes, Luiz passou por mais um momento de tensão no último domingo (27), quando foi acordado pelo barulho de sirenes que alertavam sobre o risco iminente do rompimento de outra barragem o complexo minerário, a B6. A casa dele fica no bairro Pires, que se situa às margens do Rio Paraopeba e de onde moradores precisaram sair às pressas naquela manhã.

“A sirene soou aqui às 5h30, pondo todo mundo em pânico. Porque se a outra barragem estourar lá, aqui onde eu moro, se afetar a comunidade de Pires, que estava em alerta, Brumadinho acaba. (…) Eu desesperei, eu senti [como se] minha casa [estivesse] descendo. Eu estava dormindo e, para mim, minha casa estava descendo. Eu fico até arrepiado”, conta.

Na tarde do mesmo, os moradores foram autorizados a retornar para casa quando o risco de rompimento da barragem B6 voltou a ser classificado em “nível I”.

Luiz mostra até onde precisou correr antes de ser resgatado por colega — Foto: Raquel Freitas/G1

Luiz mostra até onde precisou correr antes de ser resgatado por colega — Foto: Raquel Freitas/G1

Falta de assistência da Vale

Para conseguir encarar o trauma e a dor, Luiz tem recorrido a remédios. Ele conta que a empresa da qual era contratado, a Reframax, tem prestado assistência. Entretanto, afirma não ter recebido nem sequer um telefonema da Vale.

“Eu nunca precisei de tomar comprimido antes de dormir. Agora, estou precisando. Quem é culpado? Eu? A empresa [Reframax], ou é a poderosa Vale, que não está nem aí para ninguém? (…) Que honestidade a Vale tem?”, desabafa.

O armador de ferragem busca, além de informações sobre os amigos desaparecidos, respostas para a tragédia.

Em seu crachá, ele carregava uma a lista, a qual chama de “regra de ouro da Vale”, com 9 procedimentos que a mineradora exige de seus empregados durante o serviço, como o uso correto de EPI, não conduzir veículos acima da velocidade e não trabalhar sob efeito de álcool ou drogas. “Nós somos obrigados a cumprir todas. Será que ela cumpre alguma?”, questiona.

Essa pode ser para fechar a matéria. Armador de ferragem diz que empregados são obrigados a cumprir 'regras de ouro' da Vale. 'Será que ela cumpre alguma?', questiona. — Foto: Raquel Freitas/G1

Essa pode ser para fechar a matéria. Armador de ferragem diz que empregados são obrigados a cumprir ‘regras de ouro’ da Vale. ‘Será que ela cumpre alguma?’, questiona. — Foto: Raquel Freitas/G1

Fonte | G1

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