Um novo e grande estudo de serpentes, realizado por uma equipe internacional incluindo
biólogos da Universidade de Michigan, Universidade de Brasília e Universidade Federal da
Paraíba, entre outras, sugere que foi a velocidade evolutiva que desencadeou a explosão da
diversidade desse grupo de animais – fenômeno conhecido como radiação adaptativa. Isso
possibilitou quase 4.000 espécies vivas e fez das serpentes uma das maiores histórias de
sucesso da evolução.

No grupo dos répteis, as serpentes evoluíram até três vezes mais rápido que os lagartos, com
grandes mudanças nas características associadas à alimentação, locomoção e processamento
sensorial, de acordo com o estudo agendado para publicação online em 22 de fevereiro na
revista Science.

De acordo com Daniel Rabosky, biólogo evolucionista da Universidade de Michigan (U_M) e
autor sênior da pesquisa, “fundamentalmente este estudo é sobre o que produz um vencedor
evolutivo. Descobrimos que as serpentes têm evoluído mais rapidamente do que os lagartos em
alguns aspectos importantes, e esta velocidade de evolução as permitiu tirar partido de novas
oportunidades que outros lagartos não conseguiram”.

“As serpentes evoluíram mais rápido e _ ousamos dizer _ melhor do que alguns outros grupos.
Elas são versáteis e flexíveis e capazes de se especializar em presas que outros grupos não
podem usar”, disse Rabosky, professor do Depto de Ecologia e Biologia Evolutiva da U-M.

Para o estudo, os pesquisadores geraram a maior e mais abrangente árvore evolutiva de
serpentes e lagartos, sequenciando genomas parciais de quase 1.000 espécies. Além disso,
compilaram um enorme conjunto de dados sobre dietas de lagartos e serpentes, examinando
registros do conteúdo estomacal de dezenas de milhares de espécimes preservados em museus.

Eles alimentaram esses dados – muitos oriundos da Coleção Herpetológica da Universidade de
Brasília (CHUNB), atualmente uma das mais importantes coleções de herpetofauna do Cerrado
no mundo – em sofisticados modelos matemáticos e estatísticos, apoiados por uma grande
estrutura de poder computacional, para analisar a história da evolução de cobras e lagartos ao
longo do tempo geológico e para estudar como várias características – como a falta de membros evoluíram.

Essa abordagem multifacetada revelou que, embora outros répteis tenham desenvolvido muitas
características semelhantes às das serpentes – 25 grupos diferentes de lagartos também
perderam os seus membros, por exemplo – apenas as serpentes experimentaram este nível de
diversificação explosiva.

EXEMPLOS BRASILEIROS

Um dos exemplos é a Sucuri – serpente semi-aquática do Brasil – nome popular dado às
serpentes do gênero Eunectes, que pode ultrapassar 10 metros de comprimento e se alimenta
de presas tão grandes quanto uma capivara, o maior roedor vivente, ou ainda um veado.

“Com a cabeça pequena, mas um crânio flexível, a Sucuri consegue engolir presas enormes,”
disse Guarino Colli, professor associado do Departamento de Zoologia da Universidade de

Brasília (UnB). “Ela é um exemplo extremo dessa capacidade incrível de adaptação, e é um dos
fatores responsáveis pelo sucesso evolutivo desse grupo.”

No extremo oposto, ainda no Brasil, está um grupo relativamente primitivo de serpentes, que
vivem enterradas no solo. Bem pequenas, essas serpentes se parecem com minhocas, e se
alimentam exclusivamente de cupins e formigas.
Segundo Colli, “quando a gente compara esses dois extremos, vê o quão diverso é o grupo de
serpentes no Brasil”. Para o pesquisador e professor da UnB, “Aí entendemos como esse grupo
consegue sobreviver em ambientes tão contrastantes e evoluir rapidamente.”

A DESCOBERTA

Os autores do estudo da Science se referem a este evento na história evolutiva como uma
singularidade macroevolutiva com causas “desconhecidas e talvez incognoscíveis.”

Uma singularidade macroevolutiva pode ser vista como uma mudança repentina para uma
engrenagem evolutiva superior, e os biólogos suspeitam que essas explosões aconteceram
repetidamente ao longo da história da vida na Terra. O surgimento repentino e subsequente
domínio de plantas com flores é outro exemplo.

No caso das serpentes, a singularidade começou com a aquisição quase simultânea (de uma
perspectiva evolutiva) de corpos alongados sem membros, sistemas avançados de detecção
química e crânios flexíveis. Essas mudanças cruciais permitiram que as serpentes, como grupo,
perseguissem uma gama muito mais ampla de tipos de presas, ao mesmo tempo que permitiam
que espécies individuais evoluíssem para uma especialização alimentar extrema.

Hoje existem serpentes que atacam com veneno letal, pítons gigantes que comprimem suas
presas, escavadores com focinho em forma de pá que caçam escorpiões do deserto, serpentes
arbóreas delgadas chamadas “dormideiras” que atacam caracóis e ovos de pererecas bem

acima do solo, outras com cauda em remo, serpentes marinhas que sondam as fendas dos
recifes em busca de ovas de peixes e enguias, e muito mais.

“Um dos nossos principais resultados é que as serpentes passaram por uma mudança profunda
na ecologia alimentar que as separa completamente de outros répteis,” disse Rabosky. “Se
existe um animal que pode ser comido, é provável que alguma serpente, em algum lugar, tenha
desenvolvido a capacidade de comê-lo.”

IMPORTÂNCIA DO ESTUDO

Para Lucas Cavalcanti, mestre e doutor em zoologia pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB)
e um dos membros da equipe brasileira que participou da pesquisa, “as informações são
cruciais para o entendimento de todas as espécies de serpentes do mundo, o que coloca o Brasil
em uma posição extremamente importante, pois somos o país número um em espécies de
serpentes do mundo, lar de mais de 400 espécies, o que representa mais de 10% da diversidade
mundial.”

De acordo com o pesquisador é fundamental provocar as instituições responsáveis para um
olhar mais atencioso à conservação de serpentes e seus habitats. Para Cavalcanti “este cuidado
torna o nosso país em um verdadeiro laboratório vivo para a o entendimento de padrões
macroevolutivos e de rápida diversificação” e “as serpentes podem ser uma das peças-chave
deste grande quebra-cabeças”, destaca.

Para o pesquisador e professor da Universidade Federal da Paraíba, Daniel Oliveira Mesquita,
doutor em biologia animal pela Universidade de Brasília (UnB), o estudo é importante por ser
uma análise global que envolve um número grande de répteis e de informações genéticas e
ecológicas sobre eles, baseadas em informações coletadas por mais de 30 anos, pelos autores
do estudo. “Outros pesquisadores poderão utilizar essas informações, além de poder utilizar a
árvore filogenética em outras análises comparativas”, ressalta.

Segundo o pesquisador brasileiro Gabriel Costa, formado em Biologia na UnB e atualmente
professor na Universidade de Auburn Montgomery (EUA), o artigo – que é parte de um projeto
de pesquisa financiado pela NSF (National Science Foundation) – é uma contribuição importante
ao estudo da Macroevolução, área da biologia dedicada a entender como grandes grupos de
espécies se originam e se diversificam.

Costa tem doutorado na Universidade de Oklahoma (EUA) e durante os anos de 2015 e 2016 foi
colaborador visitante na Universidade de Michigan, período em que estabeleceu colaboração
com a equipe do Prof. Rabosky.

Para o estudo, os pesquisadores analisaram as preferências alimentares das serpentes com
observações de campo e registros do conteúdo estomacal de mais de 60 mil espécimes de
serpentes e lagartos, principalmente de museus de história natural. Os museus contribuintes
incluíram o Museu de Zoologia da Universidade de Michigan, que abriga a maior coleção de
pesquisa de espécimes de serpentes do mundo, e a Coleção Herpetológica da Universidade de
Brasília, uma das maiores do Brasil.

Os 20 autores do estudo são de universidades e museus dos EUA, Brasil, Reino Unido, Austrália
e Finlândia. O estudo foi apoiado por várias agências de financiamento, incluindo subsídios da
Fundação Nacional de Ciência dos EUA, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq – Brasil), da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
(CAPES – Brasil) e da Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal (FAPDF – Brasil).

Via | Assessoria Foto | Divulgação

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