Ao todo, 35 agricultores e agricultoras familiares da região norte de Mato Grosso receberam o certificado de conformidade orgânica em setembro deste ano.

Pouco mais de um mês após receberem o certificado de conformidade orgânica da sua produção, Maria Aparecida Rodrigues, Silmara Assaiante e Rosângela dos Santos têm sido requisitadas nas feiras em que participam. “Eu quero comprar da sua verdura, porque sei que não tem veneno e dá para comer sem se preocupar”, é o que mais ouvem.

As agricultoras familiares fazem parte da Rede de Produção Orgânica da Amazônia Mato-grossense (Repoama). Depois de um longo processo de cultivo cuidadoso da terra, reunião de documentos e vistorias, em setembro de 2023 elas finalmente foram certificadas como agricultoras orgânicas e agora podem comercializar seus produtos com o selo.

Maria Aparecida e Silmara residem em Nova Monte Verde. Já Rosângela é de Nova Bandeirantes. Ambos os municípios são situados na região norte de Mato Grosso. A luta das agricultoras para produzir sem agrotóxicos começou em meados de 2018, com a participação em palestras sobre os malefícios do uso dos defensivos agrícolas.

Rosângela nasceu na roça. Os pais vieram do Paraná para Mato Grosso em 1983 para trabalhar no campo. Plantavam arroz, milho, mandioca, café e feijão. Tudo era produzido com agrotóxico pois era o que haviam aprendido ao longo da vida. Conforme os anos foram passando, porém, a agricultora começou a se questionar se o método utilizado pela família era mesmo o mais adequado.

“Na época em que a gente decidiu mudar, nossas verduras eram entregues para escolas e hospitais. Então eu pensava que a gente estava levando comida para as crianças com contaminação, com veneno. A gente foi aprendendo que aqueles produtos eram muito tóxicos e, então, decidiu ir pelo caminho mais saudável”, disse.

Sonhos em comum

A ideia de criar a Repoama surgiu a partir de um intercâmbio em uma propriedade orgânica no Rio Grande do Sul em 2018. Conforme explicou a tesoureira da rede, Eliane Gomes Silva, os agricultores e agricultoras que participaram da viagem viram que era possível aplicar o modelo de produção sem veneno também no norte de Mato Grosso.

“A Repoama para mim foi uma ideia nova. Eu não posso com produto químico, não posso com agrotóxico. Tenho problema de alergia, então é muito prejudicial mesmo. Quando veio essa nova ideia, eu falei: ‘tô dentro’. É uma forma de produzir sem usar o veneno”, contou.

Em 2019, o grupo de agricultores se reuniu para criar o regimento interno, definir os participantes da diretoria e da coordenação e estruturar os municípios e núcleos participantes da nova associação. Depois de um longo processo, a rede foi credenciada em 2023 como um Sistema Participativo de Garantia (SPG) pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa).

Por meio desta modalidade, os próprios agricultores são capazes de fiscalizar as propriedades dos participantes da rede para verificar se elas estão ou não em conformidade com o que manda a legislação orgânica. Em caso positivo, eles recebem o certificado.

Hoje, cerca de 50 famílias fazem parte da Repoama. Elas residem nos municípios de Alta Floresta, Paranaíta, Nova Bandeirantes, Nova Monte Verde, Cotriguaçu e Colniza. Na última assembleia, 35 dessas famílias receberam a certificação orgânica. Na mesma ocasião, grupos dos municípios de Carlinda e Itaúba foram aceitos como novos membros da rede.

Para o coordenador do programa de Economias Sociais do Instituto Centro de Vida (ICV), Eduardo Darvin, a Repoama se destaca pela necessidade de união, apoio mútuo e responsabilidade compartilhada entre as famílias envolvidas. Ele considera a rede, ainda, como uma resistência agroecológica em um dos estados que mais utilizam agrotóxicos no mundo.

“A gente está falando de uma agricultura orgânica que vai ser comercializada. Estamos falando de pessoas, de famílias, que dependem da comercialização desses produtos. Então a gente também está falando de desenvolvimento local. Nós estamos falando do que é essencial também, da parte de cuidar da saúde, produzir alimentos saudáveis que respeitem a legislação ambiental e respeitem a natureza como um todo”.

Mudança de vida

Maria Aparecida morava na cidade. Antes de ganhar a vida com a agricultura, trabalhou em hotéis, laminadoras e serrarias. O que aparecia com a promessa de renda, ela aceitava. Pouco antes de o filho mais novo nascer, no entanto, ela decidiu que não queria mais trabalhar para os outros.

Foi aí que investiu parte de seu dinheiro para começar a plantar ainda no seu quintal. Alface, couve, jiló, quiabo, mandioca, abóbora. O que ela produzia era vendido de porta em porta para os vizinhos. Também foi nessa época que ela entrou para a Associação de Mulheres Trabalhadoras Rurais e Artesãs de Nova Monte Verde (Amuverde).

“Assim que entrei na associação, foi aprendendo o que podia e o que não podia usar. Eu já produzia sem veneno pensando na gente e no que a gente ia comer, mas na associação o pessoal foi incentivando mais e eu decidi entrar de vez no orgânico mesmo.”

Assim como ela, Silmara decidiu sair da cidade e voltar ao campo para cuidar melhor dos filhos. Ne época grávida de gêmeos, ela pensou que no sítio teria mais condições de proporcionar uma vida boa para as crianças, sem as intempéries da rotina da cidade.

Para além de morar na roça, o sonho era que a propriedade trouxesse frutos e renda. No começo, plantava só folhas. Depois, começou a trabalhar com legumes e outras verduras. A decisão de não mais utilizar agrotóxicos veio em 2019.

“A gente pensava que, se continuássemos naquele rumo, com tanto agrotóxico no mundo, com tanto inseticida, um monte de coisa, onde ia parar nossa saúde? A gente precisa pensar no meio ambiente, porque uma hora o mundo vai cobrar, então todo mundo tem que fazer sua partezinha”, disse.

Aproximação com povos indígenas

Nos últimos meses, indígenas do povo Rikbaktsa, da Terra Indígena Escondido, no município de Cotriguaçu (MT), se aproximaram da rede e demonstraram interesse em certificar parte do que é produzido nas aldeias. Roseno Rikbaktsa, representante do povo, destacou que o item que eles comercializam e que garante renda é a Castanha do Brasil.

“O mais interessante para gente é ter certificado do nosso produto. Isso é importante para nós, porque ainda não temos. É fundamental porque talvez a nossa produção possa ter mais valor”, disse. “Na nossa produção, nós não mexemos com nada de veneno, tudo é orgânico mesmo”, complementou.

O técnico socioambiental do ICV Jessé Lopes, explicou que neste primeiro momento os indígenas estão a trocar conhecimentos com os agricultores e agricultoras familiares para entender como funciona a rede e como se dá o processo de certificação.

“A adesão deles está acontecendo de uma forma muito participativa. Eles vieram em busca de informações e estão tendo essas trocas para entender se os objetivos se casam. Um modelo de produção sustentável que não visa o uso de insumos contaminantes, que culmina com o objetivo deles, que sempre trabalharam em defesa da floresta”.

No mesmo sentido, o coordenador da Repoama, Rodrigo Alves da Silva, destacou que a troca de experiências com os povos indígenas é importante para aprendizado de novas técnicas e conhecimentos sobre a forma de produzir.

“Eles praticamente não tiveram contato com o agrotóxico, com o agroquímico, então é um produto realmente de ponta na categoria de orgânico. É um produto que vem de dentro da floresta que realmente só precisa de certificado. Muitas vezes, o produto é orgânico, não tem agrotóxico, sai de dentro da floresta, mas sem identificação ninguém fica sabendo disso”, finalizou.

Financiadores

A Repoama surgiu de uma iniciativa do ICV com financiamento do Fundo Amazônia/BNDES, do Programa Global REDD Early Movers (REM) e da União Europeia.

O projeto REM é executado em parceria com o Governo do Estado de Mato Grosso, Banco de Desenvolvimento (KfW) Alemão e a Secretaria de Negócios, Energia e Estratégia Industrial (BEIS) do Reino Unido, e tem como gestor financeiro o Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (Funbio).

Via | Assessoria ICV Foto | Divulgação

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