Nesta segunda-feira (20), as novas regras do programa foram anunciadas pelo governo federal: o investimento será de R$ 712 milhões em 2023, no rebatizado “Mais Médicos para o Brasil”. A expectativa é criar 15 mil vagas para profissionais no Sistema Único de Saúde (SUS).

Entidades consultadas pela reportagem dizem que o programa não resolve problemas estruturais da saúde pública brasileira. Além disso, o novo Mais Médicos também não exigirá a revalidação do diploma para estrangeiros, o que, segundo as entidades ouvidas, compromete a qualidade do atendimento à população.

Criado em 2013 pelo governo Dilma Rousseff, o Mais Médicos chegou a ter 18 mil vagas no auge do programa; hoje são cerca de 13 mil. À época, uma das críticas da iniciativa era a ocupação de vagas por médicos cubanos devido ao acordo entre o governo federal e Cuba.

Os profissionais não precisaram ser aprovados no Revalida, o exame de revalidação de diplomas de médicos que se formaram no Exterior e querem atuar no Brasil. Em 2019, o presidente Jair Bolsonaro substituiu o programa pelo “Médicos pelo Brasil” e encerrou a parceria com o governo do país caribenho.

As informações divulgadas pelo governo federal sobre o novo Mais Médicos não mencionam a necessidade do Revalida para ingresso no programa. O texto das diretrizes diz apenas que a iniciativa “se destina a profissionais brasileiros e intercambistas, brasileiros formados no Exterior ou estrangeiros, que continuarão atuando com Registro do Ministério da Saúde (RMS)”. O RMS é uma autorização do governo federal concedida a médicos estrangeiros para atuação no programa.

Assim, profissionais sem inscrição nos Conselhos Regionais de Medicina (CRM) poderão atuar no país na nova fase do Mais Médicos, a exemplo do que ocorria no “antigo” programa: a medida é contestada por entidades médicas. No anúncio desta segunda-feira, foi apenas informado que brasileiros e estrangeiros terão desconto de 50% na prova de revalidação, que conta com textos e calcular porcentagem, dentre outros exercícios. Ou seja: há o incentivo para revalidar o diploma, não a obrigatoriedade.

Por meio de nota divulgada nesta segunda-feira (leia abaixo na íntegra), a medida é definida como “inaceitável” pelo Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio Grande do Sul (Cremers).

— Acreditamos que todos os profissionais formados fora do Brasil, independentemente da nacionalidade, devem fazer o Revalida. Assim temos a convicção de que o médico é um bom profissional, esteve em um bom curso de Medicina e que agora está apto a trabalhar no Brasil. Todos com aprovação no Revalida são bem-vindos — diz Carlos Orlando Pasqualotto Fett Sparta de Souza, presidente do Cremers.

O governo federal informou que profissionais brasileiros terão prioridade no preenchimento das vagas no programa. O presidente do Cremers afirma que as informações disponibilizadas até o momento têm lacunas: não há, segundo ele, critérios para a escolha dos médicos, se o processo será feito por meio de uma entrevista ou com base no currículo, por exemplo.

A nota do conselho diz também que, “além de ser aprovado no exame Revalida, é fundamental que esse profissional tenha registro no Conselho Regional de Medicina (CRM), para que a sua atividade possa ser efetivamente monitorada.”

— O Cremers pode fiscalizar e também cobrar de todos os profissionais médicos que são registrados. Agora, esses profissionais (sem CRM), quem vai fiscalizar? Quem vai cobrar quando tiver um erro? Quem vai cobrar quando uma criança, como já tivemos uma denúncia, recebe um medicamento de adulto? Quando um médico brasileiro faz isso, nós abrimos um processo e verificamos — pontua o presidente da entidade.

O Cremers afirma que tomará todas as medidas para reverter as diretrizes do governo federal.

— Vamos atuar junto ao Ministério Público, por todas as vias judiciais. Entendemos que é ilegal um projeto como esse, que fere a nossa Constituição ao trazer profissionais não habilitados para trabalhar (no país). Vamos fiscalizar os ambientes de atuação e encaminhar as irregularidades às autoridades, porque as pessoas que vêm para cá sem qualificação devem pagar pelos erros cometidos — diz o presidente da entidade.

Plano de carreira deve ser o foco

O Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (Simers) também trata como “inegociável” a exigência da revalidação dos diplomas de médicos estrangeiros e brasileiros formados fora do país para atuação em território nacional. Outro ponto que não muda no posicionamento da entidade gaúcha é a necessidade de um plano de carreira aos médicos, com custos diluídos com a União, Estados e municípios, diz Fernando Uberti, diretor-geral do Simers:

— Entendemos (o Mais Médicos) como um programa de governo, e o que desejamos é um programa de estado. Não podemos condicionar o oferecimento de recursos humanos qualificados por parte de médicos aos mais distantes rincões do país a projetos e programas transitórios, que dependam de governos, de períodos em que podem oscilar de acordo com a natureza política. Precisamos de algo institucional, maior do que políticas governamentais.

Nesse contexto, com um plano de carreira definido, seria facilitado o processo de atrair profissionais a municípios onde há dificuldade de permanência de médicos. Como exemplo, o diretor-geral do Simers cita que outras instituições públicas também estão presentes em municípios menores, longe dos grandes centros, com sucesso devido às vantagens do cargo.

— Não vemos falta de promotores e juízes nos locais mais distantes do país. Isso é assim porque existe uma carreira bem estruturada, que valoriza esses profissionais e que dá proteção à autonomia, estabilidade, uma remuneração compatível com o tempo de formação e mecanismos de progressão de carreira — comenta Fernando Uberti.

O novo Mais Médicos tem diretrizes consideradas “interessantes” à categoria, diz o diretor-geral do Simers. Ele destaca o anúncio do governo federal quanto ao campo educacional: médicos selecionados por meio de edital poderão fazer especialização e mestrado. Os profissionais receberão benefícios proporcionais ao valor mensal da bolsa para atuarem nas periferias e regiões remotas.

Já os beneficiados pelo Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (Fies) que participarem do programa poderão receber incentivos, o que ajudará no pagamento da dívida com a União.

— São aspectos positivos. Existem incentivos do ponto de vista remuneratório e da formação do médico para que se direcione a centros mais distantes, benefícios no abatimento de dívidas. São pressupostos interessantes, mas estruturalmente, nos parece que o problema ainda não será resolvido com esse programa — afirma.

Via | Assessoria   Foto | Arquivo
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