Já faz algum tempo, eu tenho comigo um arquivo em MP3 que é uma mistura de tragédia e comédia linguística, tendo como pano de fundo uma emissora de rádio FM. Não me lembro exatamente quem o enviou para mim (via email), mas o mantive na memória do meu notebook/laptop por causa da naturalidade, originalidade e inocência do locutor. Daí, sempre que possível ou necessário, eu o mostro para alunos, professores e curiosos como um exemplo a ser evitado na hora de falar qualquer coisa em inglês, mesmo que seja em tom de brincadeira. Em especial perto de um microfone no ambiente alienante e competitivo do rádio em frequência modulada (FM). Segundo o arquivo, trata-se de uma atração da “rádio do litoral”, que traz “muito mais música para você”, de artistas nacionais e internacionais. Na época, intrigado com tamanha (falta de) qualidade linguística, e com base no número de telefone veiculado pelo locutor, eu pesquisei no Mr. Google para saber a procedência do petardo sonoro. Bingo! Tratava-se de uma emissora do estado de Santa Catarina que, aliás, ainda existe e continua no ar… A obra-prima em questão tem exatos 3 minutos e 34 segundos de gravação, em que são mencionados títulos de canções e nomes de cantores brasileiros e estrangeiros que, vítimas de uma pronúncia, digamos, no mínimo, descuidada, são por vezes compreendidos com dificuldade e, consequentemente, necessitam de peripécias para serem identificados. Ainda assim, os nomes de ícones como o bluesman norte-americano B. B. King, o astro Michael Jackson e o eterno Rolling Stone Mick Jagger são ouvidos. Quanto às canções, com extremo esforço, pode-se identificar apenas Crying In The Rain, atribuída aos irmãos anglo-australianos do grupo Bee Gees. O ponto alto da gravação se dá praticamente no seu final, com o locutor dizendo “Cacete…”, depois de ter dificuldade para pronunciar o título de uma canção do Rei do Pop (MJ). Por fim, ele maltrata o título de uma canção de Mick Jagger, para em seguida soltar esta pérola: “Pô! Inglês é f*d*, bicho.” Quem ouve a gravação pela primeira vez geralmente acha muita graça, enquanto que outros ficam muito impressionados com tamanho desleixo tanto com o (mau) uso da língua portuguesa quanto da língua inglesa. Daí eu fico aqui só imaginando qual seria a sua reação ao ouvir o conteúdo gravado*, dear reader… Na verdade, locutores de rádio (e apresentadores de televisão) ou celebridades nem sempre se dão conta da influência que as suas vozes exercem sobre aquelas pessoas que ouvem ou assistem os seus programas e quetais, seja em português ou outras línguas. Algo que vai muito além da sua altura, do seu timbre e da sua intensidade, pois tem mais a ver com a pronúncia correta das sílabas, em especial das tônicas. Isso quando não é levado em conta também o discurso (ou ponto de vista) assumido. Resumindo: uma escorregadela aqui e ali é até aceitável. Afinal somos humanos. Mas a recorrência de, let’s say, “inadequações linguísticas” merecem a atenção da cúpula das empresas, e dos listeners/viewers. Embora as emissoras de rádio tenham perdido muito do seu espaço para a televisão e, mais recentemente, para a internet e o streaming, muitos jovens e adultos ainda mantêm o hábito de ouvir suas emissoras preferidas e programas prediletos de manhã, tarde, noite ou madrugada. Em respeito a eles, bem como com o intuito de garantir a sua satisfação e a sua fidelidade, não creio que seria um absurdo supor que os “profissionais” do setor deveriam levar a questão da linguagem muito mais a sério no seu dia a dia. Pois, quando não levam, aí é f*d* mesmo… * Ou palavras e expressões como flashback, break, hashtag, QR code, reality show e fake news, dentre tantos outros, tão recorrentes.
Via | JERRY T. MILL é presidente da Associação Livre de Cultura Anglo-Americana (ALCAA), membro-fundador da ARL (Academia Rondonopolitana de Letras) e associado honorário do Rotary Club de Rondonópolis.   Foto | Freepik
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