A exceção de usucapião como defesa é o instrumento utilizado pelo possuidor não proprietário contra o proprietário não possuidor. Para melhor elucidar, cita-se como exemplo o proprietário de um imóvel que ajuíza Ação Reivindicatória no intuito de reaver o bem que se encontra há tempos na posse de outrem. Para esse possuidor, a Súmula nº 237 do STF concede a possibilidade de, no prazo da contestação, arguir que se encontra na posse há tempo e modo suficiente à caracterização da usucapião. Sendo acolhida a exceção, o pedido será improcedente e o possuidor permanecerá com a posse, caso contrário, perderá em favor do proprietário, autor da ação. Contudo, tema pouco abordado na doutrina e na jurisprudência é o alcance da sentença que não acolhe a exceção de usucapião, pois: seria tal sentença um óbice para que o possuidor não proprietário ajuíze uma ação autônoma de usucapião? Estaria o não colhimento da exceção abarcada pela coisa julgada que impede a sua rediscussão? A resposta é não. O não acolhimento da usucapião arguida como matéria de defesa (exceção de usucapião) integra o núcleo da fundamentação da sentença e não o seu dispositivo, este sim imutável. Tal imutabilidade deve se ater tão somente quanto à procedência do pedido reivindicatório, jamais quanto ao afastamento da usucapião, exegese que se extrai do texto do artigo 504, do Código de Processo Civil em vigor, senão vejamos o texto legal: Art. 504. Não fazem coisa julgada: I – os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva da sentença; II – a verdade dos fatos, estabelecida como fundamento da sentença. Ao comentar o dispositivo supra, Marinoni, Arenhart e Mitidier, lecionam que: a coisa julgada outorga proteção ao dispositivo da decisão de mérito transitada em julgado. Os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da decisão, e a versão dada pela sentença aos fatos, adotada como seu fundamento, não fazem coisa julgada. Apenas o dispositivo da sentença faz coisa julgada (STJ, 1ª Turma, REsp 795.724/SP, rel. Min. Luiz Fux, j. 01.03.2007, DJ 15.03.2007). (…) A fundamentação da decisão e a versão dada aos fatos pelo Juiz não vinculam – não restam imutáveis e indiscutíveis em eventuais processos subsequentes. (MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel; ARENHART, Novo código de processo civil comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, p. 617.) Em suma, a parte da sentença destinada à fundamentação não se sujeita à coisa julgada, instituto que somente se opera quanto à parte dispositiva da sentença. Portanto, a análise da “exceção de usucapião” arguida como defesa não se insere na parte dispositiva da decisão de mérito, mas tão somente no núcleo da fundamentação, esta não alcançada pela coisa julgada, não se sujeitando, com isso, à imutabilidade, sendo passível de rediscussão em processos subsequentes. A usucapião alegada como matéria de defesa serve apenas à fundamentação da sentença que acolhe ou não o pedido reivindicatório, não se revestindo da autoridade da coisa julgada.Conclui-se, desse modo, que mesmo não sendo acolhida a alegação de usucapião como defesa, o possuidor não perderá a oportunidade de provar que faz jus à ela, o que fará mediante ação autônoma de usucapião.
Via | Leandro Facchin é advogado, vice-presidente da Comissão de Direito Agrário da OAB-MT e especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) – E-mail: leandro.facchin@irajalacerdaadvogados.com.br
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