Com esse entendimento, a 1ª Turma do STJ, por maioria, deu provimento parcial a recurso especial interposto pelo Ministério Público para garantir a incidência do Código Florestal anterior, de 1965, menos benéfico para com os donos de áreas rurais.

A reserva legal é a área da propriedade que deve ter um percentual mínimo, definido em lei, de vegetação nativa, de modo a auxiliar a conservação e a reabilitação dos processos ecológicos. A APP, por sua vez, refere-se à área a ser preservada no entorno de recursos hídricos. Até 2012, APP e reserva legal não se confundiam.

No caso concreto, o imóvel em questão não possuía área de reserva legal, motivo pelo qual foi constatado dano ambiental. Os proprietários assinaram um termo de ajustamento de conduta (TAC) com o Ministério Público, se comprometendo a regularizar a situação, mas não o cumpriram. Posteriormente, já na vigência do Código Florestal de 2012, venderam o imóvel.

Os novos proprietários pleiteavam incluir a área de proteção permanente na área de reserva legal, conforme o artigo 15 do Código Florestal. Prevaleceu o voto divergente do ministro Gurgel de Faria, segundo o qual a lei mais recente não pode retroagir para infrações que já estavam identificadas sob o manto da legislação anterior.

Para chegar a essa conclusão, o voto vencedor aplicou o princípio do tempus regit actum, no sentido de que os atos jurídicos se regem pela lei da época em que são realizados. Inclusive porque, segundo a Súmula 623 do STJ, as obrigações ambientais têm natureza propter rem, ou seja: são transmitidas, o que permite cobrar do proprietário que comprou o imóvel rural, como no caso.

Ao acompanhar a divergência, a ministra Regina Helena Costa ressaltou que os compradores da fazenda tiveram a oportunidade de celebrar novo termo de ajustamento de conduta, de forma a resolver a questão da reserva legal sem necessidade de ação judicial. Não o fizeram, no entanto.

Ficou vencido o relator, ministro Napoleão Nunes Maia, segundo o qual análise da existência e a recomposição do dano em APP, reserva legal ou outro dos espaços tutelados pelo Novo Código devem se pautar, atualmente, pela totalidade de seu regime.

A jurisprudência do STJ entende que em caso de dano ambiental, a pretensão de reparação não prescreve porque essa espécie de dano tem natureza continuada, permanente. Não faz sentido, então, negar a aplicação do novo Código Florestal sob o entendimento de que o dano foi consolidado e percebido sob égide da norma anterior.

“O que não se pode é admitir o fracionamento da natureza jurídica do dano ambiental por degradação de espaços protegidos: de um lado, para a contagem da prescrição, considerá-lo como dano permanente, de modo a renovar o termo inicial do prazo prescricional e impedir com isso sua fluência; de outro, para definir qual a Legislação aplicável, tratar o dano como um ato jurídico perfeito, a atrair a incidência da Lei mais gravosa”, apontou o relator.

A definição da questão ainda passou pelo posicionamento do Supremo Tribunal Federal, que em sede de controle concentrado de constitucionalidade declarou constitucional o artigo 15 do novo Código Florestal.

Entendeu o Plenário do STF que o rótulo da “proibição ao retrocesso ambiental” não implica imutabilidade ou engessamento da atividade legislativa e não pode pode se sobrepor ao princípio democrático, “ignorando as diversas nuances que permeiam o processo decisório do legislador”.

O novo Código Florestal é menos benéfico ao meio ambiente, mas está dentro do legítimo exercício conferido ao legislador, inclusive diante de outros valores constitucionais como o desenvolvimento nacional. No voto vencido do ministro Napoleão Nunes Maia, entender diferente seria consagrar a completa imobilização legislativa para um sem-número de situações.

“As considerações a respeito do maior ou menor nível de proteção do Novo Código em relação ao antigo, ou à prevalência do interesse ambiental coletivo sobre o exercício individual do direito à propriedade, são questões já enfrentadas pelo STF nas sobreditas ações concentradas, de maneira que não se pode, agora, adotar a mesma argumentação para conferir ultratividade à Lei 4.771/1965 (antigo Código Florestal)”, afirmou.

O entendimento vencedor seguiu linha diferente. Ao entender pela constitucionalidade do artigo 15 do Código Florestal de 2012, o Supremo Tribunal Federal não decidiu sobre a possibilidade de retroagir. Essa análise é da legislação infraconstitucional e que cabe ao STJ, por definição.

“No caso, a declaração de constitucionalidade do art. 15 da Lei n. 12.651/2012 não desqualifica a aferição da aplicação imediata deste dispositivo aos casos ocorridos antes de sua vigência. Tal compreensão, reitero, não conflita com o decidido pelo STF, porque trata-se de juízos realizados em campos cognitivos diversos”, apontou o ministro Gurgel de Faria.

Decisão do STJ no REsp 1.646.193

Fonte | Revista Consultor Jurídico. Por Danilo Vital em 08 de junho de 2020 – Danilo Vital é correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.

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