Em entrevista, João Pedro Paro Neto, o CEO da empresa para o Brasil e Cone Sul, fala sobre a falta de previsibilidade, o que mudou no ecossistema de fintechs e startups, do fim do dinheiro e para onde a companhia vai

Não pergunte ao executivo João Pedro Paro Neto, CEO da Mastercard para o Brasil e Cone Sul, sobre os resultados da empresa para daqui a um mês ou três meses. “Com o momento que estamos vivendo, todo o cenário que projetamos se tornou ineficaz”, diz Paro Neto.

É claro que os projetos que estavam em andamento, como a maior distribuição de cartões contactless, entre outros planos para substituir o papel moeda, serão intensificados. Afinal, o coronavírus tem acelerado essa transformação e as pessoas ficarão com mais receio de tocar no dinheiro.

Mas, tudo o que tinha sido desenhado em conjunto com os clientes antes da pandemia, terá de ser revisitado. O problema, entretanto, é a falta de previsibilidade para traçar esses novos planos.

“Você tem de se sentar com os clientes, rediscutir, redesenhar, pensar. Aí você fala, ‘tá bom, qual é o número para esse ano?’. Você fala o que você quiser, ninguém sabe nada. Ou seja, estamos num momento em que fazer projeções e análises futuras é quase impossível”, diz Paro Neto.

Na entrevista que segue, o executivo reflete sobre como será o mundo pós-pandemia tanto sob os pontos de vista social e econômico, fala sobre como a empresa está se preparando para a retomada e também sobre o negócio que pode ser a “galinha dos ovos de ouro” da companhia no futuro.

“Estamos olhando muito a questão dos dados. É aí que está a nossa expansão, é onde ganharemos dinheiro. Estou no meio das transações e isso tem de servir para muito mais coisas do que ajudar a vender mais ou menos”, diz Paro Neto. Acompanhe:

Qual é a sua avaliação sobre esse cenário? Todo mundo vê o lado econômico, o quão difícil ele é e quão difícil ele será. Existem várias ações sendo tomadas em diferentes níveis do País e das organizações tentando fazer esse período ser o menos doloroso possível. A Mastercard teve algumas preocupações. Antes de começar essa confusão, no começo do mês de março, a Mastercard foi a público e disse que falaria desse trimestre e, dali para frente, não falaria mais nada, diferentemente do que havíamos prometido de estar sempre fazendo projeções e falando sobre o futuro. Qualquer coisa que falarmos, é um chute. As pessoas estão mais confinadas em casa e o consumo está limitado às suas necessidades. E de uma maneira diferente de como era anteriormente.

Mas o que vocês conseguem enxergar? O que a gente vê é que tem um crescimento muito forte em todas as transações de cartões não presentes porque, obviamente, as pessoas estão usando outros mecanismos de compra. E as pessoas estão comprando os itens básicos, que é o que todo mundo tem divulgado por aí.

E os clientes da Mastercard, o que têm dito? Tanto os adquirentes, os emissores, as fintechs, os varejistas, estão todos muito preocupados em fazer a gestão desse momento. Continuamos operando e trabalhando em várias ações e projetos com eles. Aliás, o nosso dia ficou mais longo. Te diria que trabalhamos mais hoje do que antes. Brinco que não estamos fazendo home office, estamos fazendo office at home.

“Tanto os adquirentes, os emissores, as fintechs, os varejistas, estão todos muito preocupados em fazer a gestão desse momento”

Estão todos olhando o que fazer agora, mas e o futuro? Já existem conversas do que farão no pós-pandemia? A gente já começa a discutir o que faremos lá na frente. Há preocupações do tipo: ‘quando liberar, as coisas serão iguais ou diferentes?’. Estamos nos preparando, como indústria, para ter algumas coisas prontas.

Por exemplo? Já estávamos nesse caminho e intensificamos o processo de autenticação das operações de cartões não presentes. Também intensificamos todo o conceito de contactless. Todos os nossos parceiros estão forçando, de uma maneira mais rápida, esse caminho para que possamos ficar mais prontos para isso. O mercado está empenhado em fazer isso acontecer.

A crise do coronavírus acelera o uso do contacless? Com certeza, já está acelerado.

Daria para dizer em quanto tempo acelerou? Não dá para dizer, não é quanto tempo. Nossa referência de negócio hoje não tem nada a ver com a referência de antes da realidade do fato. Hoje, o que percebemos como aceleração é o fato de os emissores estarem emitindo seus cartões para que o mecanismo esteja nas mãos dos consumidores. Mudou radicalmente o modelo do que estávamos vendo ontem, do que a gente vê hoje.

Em todas as vezes que o entrevistei você disse que o maior competidor dos cartões é o dinheiro, o papel moeda. Esse coronavírus vai ajudar a indústria no sentido de acabar com o dinheiro? Tenho certeza disso, acredito nisso piamente. Os mecanismos eletrônicos de pagamento estão ganhando corpo e estão crescendo em uma velocidade muito maior. No ano passado, o crescimento já estava na casa de 18%. Nossa participação nos meios de pagamento já passou dos 40%. Isso vai só acelerar. O NFC vai trazer muito mais transações. É um caminho sem volta. O dinheiro vai ficar muito menos importante do que foi no ano passado e assim sucessivamente. Mais uns dois ou três anos nessa pegada, o dinheiro passará a ser pouco utilizado no mercado, passa a ser pouco relevante.

“O dinheiro vai ficar muito menos importante do que foi no ano passado e assim sucessivamente. Mais uns dois ou três anos nessa pegada, o dinheiro passará a ser pouco utilizado no mercado, passa a ser pouco relevante”

Em pouco tempo, os cenários mudaram drasticamente. Como gestor, quais são as dificuldades de não ter um horizonte? Temos negócios firmados com nossos parceiros em que imaginávamos cenários, possibilidades e diferentes desenhos. Com o momento que estamos vivendo, todo o cenário que projetamos se tornou ineficaz. Você tem de se sentar com os clientes, rediscutir, redesenhar, pensar. Aí você fala, ‘tá bom, qual é o número para esse ano?’. Você fala o que você quiser, ninguém sabe nada. Ou seja, estamos num momento em que fazer projeções e análises futuras é quase impossível. Estamos gerenciando, dentro do possível, aquilo que podemos gerenciar sem grandes mudanças e transformações de coisas que não sabemos ainda. A nossa preocupação número um agora é com as pessoas, suas famílias, nossa força de trabalho.

São muitos desafios… Hoje de manhã estava pensando algo aqui (João Pedro interrompe e diz “deixa eu bater na madeira aqui”). Imagina que isso perdure por muito tempo e temos de contratar dez pessoas. Vamos contratar e nem conheceremos pessoalmente, só por áudio. Como seria essa relação? Imagina num cenário de longo prazo como seria isso!

Quando você acha que tudo voltará ao normal? Voltar ao normal levará muito tempo. Acho que a gente volta a ter atividades dentro de alguma escala, algum desenho, e critérios de controle. Na rua, acho que vamos começar a ver movimento. Em São Paulo, estão dizendo que volta no dia 22 ou 23, eu acredito mais para frente. Vamos imaginar que abril seja o pior mês, maio será menos ruim, junho menos ruim, julho talvez seja melhor e aí as coisas começam a andar. Mas, voltar ao que era antes disso, eu não consigo enxergar. Não tenho nem ideia.

Você falou da dificuldade de planejar lá na frente. A sensação é a de dirigir um carro de olhos vendados? Não é bem assim porque você tem várias coisas na mão e está vendo várias coisas. Pode desenhar cenários, mas não consegue desenhar um cenário que faça sentido ainda. Não dá para responder 80% das perguntas. Respondo só 20% e, nessa linha de pensamento, fica difícil olhar muito longe. Então, vamos olhar pertinho, olhar essa semana, a outra.

“Não dá para responder 80% das perguntas. Respondo só 20% e, nessa linha de pensamento, fica difícil olhar muito longe. Então, vamos olhar pertinho, olhar essa semana, a outra”

A Mastercard é uma empresa muita próxima do ecossistema das startups. Como você está vendo esse mercado e a relação com essas startups? Tem de tudo aí. Empresas que iam começar e agora vão esperar para serem lançadas, as que estavam operando e continuam bem e também tem uma turma que está sofrendo mais porque estava investindo bastante e agora vai precisar rever o plano. Mas aquelas que estavam mais estabelecidas, continuam bem, trabalhando no sentido de ajudar nesse momento. As fintechs e os bancos digitais continuam crescendo, fazendo seus negócios, se desenvolvendo. Obviamente, a velocidade não é igual a que era ontem, mas continua alta comparada com a dos outros. Não mudou a relatividade, mudou a dimensão. Eles serão importantes nesse ajuste dessa nova economia.

Mas já existem empresas buscando vocês, pedindo ajuda, preocupadas com a operação? Tem sim. São aquelas que estavam numa fase mais próxima do início ou numa fase forte de aceleração.

A Mastercard tem operações em todos os países do mundo. Vocês não conversaram com os executivos de outros países? Imaginavam que a crise seria assim? Estávamos, sim, sabendo e vínhamos conversando e desenhando todos os conceitos e planos do que faríamos. Era mais uma questão de cada país chegar em seu momento. Agora, é claro que ninguém tinha noção da dimensão do problema. Se eu falar para você que alguém sabia, é mentira. Ninguém imaginaria que o mundo inteiro iria parar. Tem a história do Bill Gates, que falou em uma apresentação em 2015. Só ele imaginaria.

Aliás, a Mastercard fez um investimento conjunto com a fundação Bill e Melinda Gates para achar a cura da doença… Sim, é um investimento de US$ 125 milhões para encontrar um remédio. Várias universidades, como a de Oxford, trabalhando nisso. Ficamos muito felizes de estar participando para encontrar uma solução para isso.

A Mastercard comprou muitas empresas nos últimos tempos. Agora os ativos estão baratos. Vocês estão pensando em fazer aquisições? Não sei se está barato ou está caro. Agora ninguém sabe o valor dos ativos, teoricamente está barato. Posso dizer que estamos ativos, não estamos dormindo.

“Não sei se está barato ou está caro. Agora ninguém sabe o valor dos ativos, teoricamente está barato. Posso dizer que estamos ativos, não estamos dormindo”

Na sua visão, como será o mundo após o coronavírus? Seremos muito diferentes. Estamos vivendo um momento de mortes múltiplas. Estamos perdendo várias coisas. Serei simplista, vamos perder algo na vida social. Você ia todo dia no restaurante e não irá mais. ‘Eu estou com medo, não quero, vou esperar, vou só uma vez por semana’. Não seremos mais os mesmos. Aprendemos outra coisa nesse confinamento que é o lado da família. É um novo aprendizado. Falei com outro amigo meu, quantas vezes ele lembrava de ter ficado em casa tanto tempo. Ninguém consegue lembrar, isso não existia. Isso vai nos modificar, nas nossas formas e relações. Depois, tem o problema dos ativos. Eles estão perdendo seus valores de uma maneira importante. Como vamos nos posicionar em relação a ativos? Você vai ver os valores como olhava antes? Vai ver as ações como via antes? Vai olhar as empresas como via antes? Por isso que falo sobre mortes múltiplas.

Como sairemos depois disso? Tenho certeza de que sairemos dessa crise mais unidos. As empresas sairão mais fortalecidas por cuidar de cenários adversos. Agora incluímos no nosso currículo a pandemia. No campo pessoal, os valores serão desafiados, as pessoas terão outras formas de perceber as coisas. Isso vai obrigar, não só as empresas, como as relações comerciais, a serem distintas do que eram ontem. A sociedade vai questionar mais. E esse negócio de usar a conectividade nas nossas relações vai começar a ter muito peso também. Estamos saindo do extremo zero para o extremo tudo e vamos para um ponto mais balanceado. Então, você vai dar valor para aquela caminhada lá fora, olhar para as pessoas na rua e achar que aquilo tem de fazer parte do seu dia a dia.

E sob o ponto de vista da economia? Agora, sob o ponto de vista econômico, acho que o mundo vai sofrer um período, vai ter esse buraco, que já é real, e a partir daí outras oportunidades surgirão. Muitas empresas ficarão ao longo do caminho, muitas formas de trabalho ficarão no meio do caminho e outras novas surgirão. Sou esperançoso, mas tenho consciência de que não vai ser fácil sair dessa crise e voltar a um new normal.

“Seremos muito diferentes. Estamos vivendo um momento de mortes múltiplas”

Como será a Mastercard depois de tudo isso? Estamos olhando muito a questão dos dados. É aí que está a nossa expansão, é onde ganharemos dinheiro. Estou no meio das transações e isso tem de servir para muito mais coisas do que ajudar a vender mais ou menos. Tudo o que temos tem um valor muito grande. Incorporar conhecimento, sabedoria e modelos será o nosso novo negócio lá na frente.

Fonte | NeoFeed

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