“Fica calma, respira”, costuma dizer o adulto à criança que sofre de gagueira. Nesta entrevista, a fonoaudióloga e colunista de CRESCER Lílian Kuhn explica por que essa frase mais atrapalha do que ajuda. E o que fazer quando detectar a gagueira na criança

No dicionário, a palavra gago é descrita como adjetivo. Mas, no dia a dia, a gente bem sabe: é usada como apelido pejorativo para quem sofre de gagueira – não à toa, os sinônimos e variações da palavra, segundo lista o mesmo dicionário, seguem a linha da depreciação: “borboró, linguinha, qui-qui-qui, tardíloquo, tartamelo, tartamudo, tátaro, tatibitate”.

Neste 22 de outubro, Dia Internacional de Atenção à Gagueira, conversamos com a fonoaudióloga e colunista de CRESCER Lílian Kuhn sobre o distúrbio de fluência da fala que atinge 1% da população mundial. O que é? Como identificar? Onde e quando procurar ajuda? E, principalmente: como lidar com uma criança que apresenta gagueira? A especialista explica tudo isso a seguir.

Qual é a importância deste dia dedicado à atenção à gagueira? É um dia de conscientização que existe desde 1998 e que começou na Califórnia, nos Estados Unidos. É um dia em que todos os profissionais dividem conhecimento e dão suporte às pessoas que gaguejam. Esse distúrbio causa um impacto na vida da pessoa, porque ela é motivo de riso e piada, e isso traz questões emocionais que se somam às dificuldades que a pessoa já tem com a comunicação. No caso das crianças, ainda tem a questão do bullying escolar associado.

O que é a gagueira? A gagueira é um distúrbio crônico da fluência da fala que tem maior ocorrência na fase infantil. Ela existe em vários níveis. Em alguns casos há associado a ela tiques de tensão -movimentos tensionados ou ritmados do corpo que acontecem junto com a gagueira. Isso distrai o interlocutor e agrava o quadro do distúrbio da comunicação. Essa condição não tem cura, mas pode melhorar muito com a intervenção fonoaudiológica; em alguns casos, é preciso associar a psicoterapia para deixar a criança segura para lidar com as reações negativas que recebe de seus interlocutores.

A criança consegue controlar o problema? É importante entender que a gagueira é involuntária. Não adianta pedir pra pessoa parar de gaguejar, nem pedir para ficar calma, respirar, falar devagar. A ansiedade e o nervosismo impactam a gagueira, mas essas não são as causas do distúrbio – ela não gagueja porque está nervosa. As pessoas fazem muito isso e o efeito é o contrário: vai deixando a criança mais ansiosa, mais nervosa, pois ela está tentando falar e tem alguém dando ordem, dizendo o que ela deve fazer. Quem tem que ficar calmo é o ouvinte.

Então como se deve agir com a criança? O melhor jeito de reagir é ouvir o que essas crianças estão falando: o conteúdo da fala, e não o formato da fala. O ideal é mostrar que está entendendo o que está sendo dito. Não se deve rir, orientar a fala, nem completar a frase. É preciso esperar, ouvir e responder adequadamente. Como falantes mais experientes, adultos em geral precisam dar o exemplo: falando com calma, parando o que estão fazendo para responder devagar e olhando para a criança, em vez de apenas dizerem a ela como devem falar.

Como a escola impacta a vida da criança nessa condição? Para uma criança em fase escolar, a gagueira costuma trazer sentimentos negativos e ansiedade, que lhe rendem dificuldades de aprendizagem, mas não por causa do problema em si, mas por atividades como ler em voz alta, apresentar trabalhos orais, responder perguntas em voz alta. Isso tudo pode gerar situações de bullying. O professor deve estar atento e poupar a criança dessas situações nos dias em que notar que ela está gaguejando mais. Professores e pais são peças fundamentais para ajudar crianças que gaguejam. Não vão curá-la, mas vão detectar o problema e ajudar a criança a se sair melhor.

O que causa a gagueira? Não se sabe o que causa a gagueira, mas a hereditariedade é um fator importante. Há 50% de chance de transmitir a gagueira aos filhos. Fatores ambientais e emocionais podem influenciar – por exemplo, quando a criança não tem espaço para falar. Há casos em que um irmão não dá chance, cortando a fala do outro; ou um dos irmãos fala demais e não dá tempo de o outro se expressar. Aparentemente, existe uma dificuldade de planejar motoramente o som da fala. Dados de 2010 atestam que ela atinge 1% da população mundial e 80% dessas pessoas são homens. Não existe uma explicação para essa prevalência, mas a gente sabe que as brincadeiras oferecidas às meninas são mais intelectuais e, com meninos, mais corporais, e isso pode impactar o funcionamento cerebral.

Quando a criança demonstra a gagueira? A gagueira pode aparecer até os 7 anos da criança, pois nesse período ela está desenvolvendo a linguagem. Mas o mais comum é por volta de 2 a 3 anos, quando a criança começa a falar com mais frequência. Em geral, é de início súbito: de repente, ela começa a gaguejar. Isso deixa os pais desesperados. A orientação é procurar um fonoaudiólogo, que vai identificar se é algo passageiro, que pode acontecer porque a criança está começando a falar e pode se atrapalhar com as velocidades de pensamento e fala, mas que some. No quadro de distúrbio de fluência, a gagueira não some, mas melhora depois de tratamento. Quanto antes tratar, melhor, por causa da plasticidade neural. Um quadro de sucesso é ver a gagueira controlada já aos 4 anos.

Como é o tratamento? O tratamento com fonoaudiólogo inclui um trabalho lúdico, com músicas e histórias, que fazem a criança perceber como é fala dela e como ela pode controlá-la. A criança precisa ter consciência da fala para depois ter controle sobre ela. A duração é de médio a longo prazo; pode ir de 6 meses a 2 anos.

Fonte | Revista Crescer
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