O ditado popular a que me reporto agora, tem , a meu ver, uma carga de crítica social e política muito forte. Existem pessoas que preferem não perceber crises, dificuldades, injustiças, para que não sejam obrigadas a assumir responsabilidades na busca de solução para tais problemas. Se recusam a ver a verdade. Se omitem. Se alienam. Só enxergam o que querem e o que lhes interessa. É, no mínimo, uma atitude de comodismo e de indiferença.
“O pior cego é aquele que não quer ver”, porque dessa forma ele se torna conivente com os males que afligem a sociedade e protege os que oprimem, humilham, escravizam e desrespeitam seus semelhantes.
Temos a mania de querermos ver o mundo como desejamos e por isso evitamos enxerga-lo como ele é na realidade. Na nossa cegueira optamos por construir e idealizar um mundo bem ao nosso gosto.
Nessa linha de raciocínio é que surgiu esse provérbio. Nasceu de uma história ocorrida no século XVII na França. Um aldeão de nome Argel foi a primeira pessoa a receber um transplante de córnea, num extraordinário sucesso da medicina da época. Ao enxergar, ele se tomou de um estado de horror com o mundo que passou a conhecer, bem diferente do que imaginava quando vivia na escuridão da cegueira. Solicitou então ao cirurgião que o operou a extrair-lhe os olhos, preferia voltar a ser cego. Com a recusa do médico apelou para os tribunais de Paris e do Vaticano e teve ganho de causa. Passou então a ser conhecido como “o cego que não quis ver”.
A narrativa, ou parábola, dá força ao sentido filosófico deste provérbio, porque demonstra que em muitos momentos agimos como Argel, preferimos ficar cegos para não vermos o mundo que não queremos enxergar.
Saramago, na primeira frase do seu livro “Ensaio Sobre a Cegueira”, diz : “Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara”.
Fonte | Rui Leitão
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