Jejuar por algumas horas ou por dias inteiros, consumindo no máximo 500 calorias por dia, é uma nova corrente com partidários e detratores

Uma nova corrente dietética paira há alguns anos sobre a cabeça dos consumidores, tanto para perder peso como para melhorar o prognóstico da saúde através de diversos indicadores metabólicos. Trata-se do chamado jejum intermitente – intermittent fasting – que parece simples na proposta inicial, mas se desdobra em uma infinidade de versões ou modalidades. No Brasil, o jejum intermitente foi a segunda maior busca no Google em 2017 na categoria “como fazer”. Pode parecer que é só fechar a boca e pronto, ou pelo menos abri-la em menos ocasiões do que costumamos fazer, um dos recursos mais clássicos quando se busca perder peso (apesar de cair no simplismo). O difícil é definir como fazer isso para, de fato, acabar comendo menos que de costume, especialmente quando se vive pressionado pelo conselho absurdo de fazer até 5 ou 6 refeições diárias. Mas o assunto do jejum intermitente não para por aí, sobretudo se se considerarem os artigos científicos da última década que observaram – até onde se pode – os previsíveis benefícios e os possíveis prejuízos (principalmente se o jejum não é orientado por profissionais). Por jejum intermitente se entende o conjunto de ações destinadas a deixar de comer em períodos de tempo variáveis, porém controlados. Existem diversas versões mais ou menos personalizadas, mas estas são as três formas mais conhecidas de realizar um jejum intermitente:
  • O jejum intermitente diário divide os dias em duas faixas horárias, uma em que não se ingere nada – salvo exceções que veremos depois – e outra em que “é permitido” comer. Quem propõe esse tipo de rotina recomenda começar com uma estratégia 12/12, em que se jejua por 12 horas seguidas (o mais fácil é incluir nesse tempo as horas de descanso noturno) e é permitido comer nas 12 restantes. A partir daí, normalmente sugerem ir progredindo para modelos 14/10 (14 horas de jejum e 10 em que se pode comer) até alcançar o mais habitual 16/8… alguns até propõem rotinas de 18/6 ou mesmo 20/4.
  • O jejum semanal, em que se jejua por um dia inteiro a cada sete dias. Por exemplo, toma-se o café da manhã de uma terça-feira e não se come mais nada até o café da manhã da quarta-feira. Uma variante propõe jejuar dois dias por semana separados por dois e três dias nos quais se come: por exemplo, jejuar às segundas-feiras e às quintas-feiras.
  • O jejum de dois ou três dias seguidos por mês é o mais difícil, em vista do longo período que envolve, e tem menos partidários. Embora não haja consenso sobre os benefícios do jejum intermitente, a maioria dos autores defende que jejuar mais de um dia seguido não traz benefícios adicionais, mas, pelo contrário, pode aumentar os riscos.

Os possíveis benefícios do jejum intermitente

Antes de continuar, é importante ter em conta que, por enquanto, o conhecimento que se tem deste assunto é limitado: muitos dos estudos que veremos não seguiram as mesmas pautas de jejum descritas e, além disso, boa parte deles é de caráter observacional. Dito isso, estes são – em linhas gerais – os benefícios atribuídos ao jejum intermitente:
  • Facilita a perda de peso mantendo a massa muscular.
  • Melhora alguns parâmetros bioquímicos relacionados à inflamação.
  • Melhora parâmetros relacionados ao perfil lipídico, ao risco cardiovascular e ao diabetes.
Já existem, na literatura científica, dois artigos que abordam de forma crítica a questão do jejum intermitente. O primeiro é intitulado Health effects of intermittent fasting: hormesis or harm?A systematic review, algo como “Efeitos do jejum intermitente na saúde: hormese ou dano? Um exame sistemático”. Entre outras observações, o texto conclui que apesar das diferenças nos desenhos dos estudos, nos regimes realizados e nos resultados, há uma convergência entre eles que aponta para certos benefícios quando o jejum é prudente. O segundo artigo, mais recente, intitulado Metabolic Effects of Intermittent Fasting (Efeitos metabólicos do jejum intermitente) conclui que o jejum intermitente é “uma abordagem promissora para o emagrecimento e a melhora da saúde metabólica em pessoas capazes de tolerar com segurança períodos de jejum por algumas horas do dia, da noite ou durante alguns dias da semana. Se finalmente se comprovar sua eficácia, esse tipo de dieta pode se tornar uma abordagem promissora, não farmacológica, para a melhora da saúde pública em diversos aspectos”.

Os riscos do jejum intermitente

Devido ao imobilismo em matéria de dieta por parte de alguns profissionais, o jejum intermitente é visto com suspeita. Seus críticos dizem que acarreta perda muscular, desacelera o metabolismo – algo nada desejável quando se quer emagrecer – e portanto facilita o ganho de peso, pode baixar o açúcar no sangue a níveis perigosos, gerar dores de cabeça e um estado de maior irritação ou suscetibilidade, entre outros efeitos. Nesse sentido, é preciso frisar – como salientam os artigos citados – que seguir uma pauta programada e calculada de jejum intermitente não é o mesmo que submeter-se aos efeitos da inanição. Também não é recomendável que o leitor se arrisque a seguir qualquer programa desse tipo depois de ler esta matéria. Antes de mais nada, deve consultar um profissional da saúde sobre sua situação metabólica e – se for o caso – informar-se de forma prática e concreta sobre o modo de realizá-lo de acordo com suas circunstâncias. Esta opção não é uma dieta para seguir por algumas semanas e depois deixar de lado. O jejum intermitente precisa ser monitorado por um profissional – pelo menos em suas fases iniciais – e deve ser assumido como um novo estilo de vida, como alguém que decide se tornar vegetariano.

O que comer quando não se come (quase) nada

A proposta clássica durante os períodos de jejum implica não comer nem beber nada com exceção de água, café, chás ou infusões – sem açúcar, claro – que podem ser consumidas sem restrição. Em outras perspectivas nas quais se jejua por dias inteiros, também se permite ingerir certa quantidade de alimentos, sem superar as 500 kcal/dia. Sempre atento à qualidade da dieta, ao que se come e ao que se deixa de comer. Antes que comer besteiras e jejuar, é preferível comer comida de verdade cinco vezes por dia todos os dias de sua vida (para entender o que quero dizer com comida de verdade é indispensável acompanhar o blog de Carlos Ríos sobre “comida real”). Como reflexão final, é difícil acreditar que em nossa sociedade, dadas as circunstâncias em que vivemos, a questão do jejum intermitente seja uma solução coletiva para os problemas derivados da obesidade e das doenças metabólicas não transmissíveis. Nos candidatos aptos e sensatos, pode ser uma ferramenta verdadeiramente útil. A prática alcançou resultados promissores em grupos concretos e – vale lembrar – controlados, mas ainda há muito a investigar, como observam todas as publicações sobre o tema.

As origens

Jejum voluntário nada tem a ver com inanição: esta última é a privação involuntária de alimento, não é deliberada nem controlada, as pessoas submetidas à inanição não têm a menor ideia de quando poderão voltar a comer. O jejum, por outro lado, consiste na limitação voluntária do ato de comer. As consequências também não têm nada a ver, da mesma forma que pular uma única vez de um desnível de quinhentos metros é morte certa, mas pular mil vezes um desnível de meio metro não. Esse é o mistério do conceito toxicológico de hormese explicado da forma mais simples possível e inserido no título do primeiro artigo comentado. A busca das vantagens de comer pouco, adotar alguma restrição alimentar ou jejuar de forma voluntária é inerente a qualquer cultura, e em todas elas se encontram referências ancestrais de sua prática. No entanto, além de crenças e práticas milenares, a ciência tentou confirmar nos últimos anos os benefícios do jejum controlado para a saúde e conhecer os mecanismos que os produzem. Em relação às origens do jejum intermitente como estratégia terapêutica, convém prestar atenção na linha de pesquisa que relaciona a restrição calórica à longevidade e ao prognóstico de saúde. Hoje já são muitas as publicações que comprovaram o onipresente e destacado papel da restrição dietética controlada sobre o envelhecimento e as doenças associadas em praticamentes todos os tipos de organismo, dos unicelulares aos humanos, passando por invertebrados, roedores e macacos. No fim das contas e no terreno mais teórico do assunto, o jejum intermitente tentaria imitar as condições reais de nossos antepassados, que estavam longe de comer cinco vezes por dia.

Fonte | El País

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