Pesquisa da UFMT propõe caminhos para fortalecer comunidades ribeirinhas diante de impactos ambientais

Pesquisa da UFMT propõe caminhos para fortalecer comunidades ribeirinhas diante de impactos ambientais

Estudo de doutorado sobre a Colônia Z13, em Rosário Oeste, revela como saberes tradicionais, protagonismo feminino e resistência cultural podem orientar políticas públicas para preservar o meio ambiente, garantir renda e reduzir desigualdades

A pesca artesanal é mais do que sustento para centenas de famílias de Rosário Oeste (MT). Ela é cultura, identidade, trabalho, fonte de renda e resistência. Mas, desde a implantação da Usina Hidrelétrica do Manso, em 2000, a comunidade da Colônia Z13 enfrenta escassez de peixes, poluição crescente e mudanças no ecossistema do rio Cuiabá, com reflexos na renda, na alimentação e na saúde.

Uma tese de doutorado defendida na Universidade Federal de Mato Grosso, no dia 12 de agosto, no auditório da Faculdade de Comunicação e Artes (FCA/UFMT), propõe caminhos para enfrentar esses desafios e mostra como a valorização dos saberes tradicionais pode ajudar a formular políticas públicas que conciliem preservação ambiental, justiça social e fortalecimento cultural.

A pesquisa é assinada por Ivoneides Maria Batista do Amaral do Programa de Pós-Graduação em Estudos de Cultura Contemporânea (PPGECCO) e do grupo de pesquisa Multimundos. O trabalho teve orientação do professor doutor Benedito Dielcio Moreira e foi avaliada por uma banca formada pelos professores doutores Cristóvão Domingos de Almeida (UFMT), Aline Wendpad Nunes de Siqueira (UFMT), Lina Rosa Berrio Palomo (Unidad Pacífico Sur – CIESAS, México) e Ricardo Gomes Lima (UERJ).

O objetivo da pesquisa foi compreender a relação dos pescadores artesanais com o meio ambiente, a saúde e os modos de vida, analisando as transformações no território e as estratégias de resistência da comunidade. Com abordagem qualitativa e inspiração etnográfica, Ivoneides participou do cotidiano da Colônia Z13, realizou entrevistas com pescadores e familiares, professores e estudantes, aplicou questionários e formou um grupo de discussão com jovens do Ensino Médio.

O estudo identificou que, mesmo diante de adversidades, a cultura ribeirinha se mantém viva por meio de práticas coletivas, em especial o protagonismo das mulheres na coleta, preparo e comercialização do pescado, um trabalho essencial, mas ainda pouco reconhecido formalmente.

Durante o doutorado sanduíche no México, a pesquisadora entrevistou mulheres pescadoras afromexicanas da região costeira de Oaxaca. A experiência, embora não comparativa, ampliou a compreensão sobre desigualdades de gênero, impactos ambientais e resistência cultural, reforçando a conexão entre natureza, cultura, memória e corpo. A escuta dessas narrativas, atravessadas por questões de gênero, raça e desigualdade, confirmou que não há separação entre o sujeito e o seu ambiente, como
defendem referenciais teóricos utilizados no trabalho.

Nas considerações finais, a tese ressalta que a pesca vai além de uma atividade econômica: é um modo de vida sustentado por vínculos afetivos com os territórios de água, relações de cuidado com a natureza e produção de sentidos que muitas vezes escapam à lógica dominante de desenvolvimento. O estudo defende que políticas públicas eficazes precisam integrar saberes científicos e conhecimentos tradicionais, reconhecendo o valor político e epistêmico das comunidades. Para isso, propõe uma ciência que se construa com os sujeitos e não sobre eles, que considere as narrativas e memórias como fontes legítimas de conhecimento e resistência.

A banca recomendou a publicação da tese e destacou quatro aspectos para registro em ata: a escrita acessível e com qualidade; a metodologia utilizada; o valor histórico do trabalho e a importância do trabalho para a luta dos pescadores de Rosário Oeste.

A análise da Colônia Z13 revelou também que modelos de desenvolvimento impostos de forma verticalizada, como no caso da Usina do Manso, rompem redes vitais de interdependência, gerando desequilíbrios ambientais, sociais e culturais. Ao mesmo tempo, mostrou que a resistência cotidiana, feita de pequenas ações, histórias, mutirões e memórias coletivas, preserva modos de vida e aponta caminhos para o futuro. Essa compreensão reforça a urgência de políticas interculturais, capazes de reconhecer a diversidade de saberes e de práticas e de ouvir as comunidades antes de decidir sobre seus territórios.

Mais do que um diagnóstico, a pesquisa de Ivoneides Amaral contribui para debates sobre justiça socioambiental, segurança alimentar e inclusão social. Ao centralizar as vozes de pescadores e pescadoras, especialmente das mulheres, reafirma que preservar rios e mares é também preservar histórias, identidades e formas dignas de existir. Em tempos de crise climática e de esgotamento de modelos baseados na exploração, a escuta atenta às comunidades que vivem do e com o ambiente talvez seja um dos caminhos mais urgentes para repensar como habitamos o mundo.

Via | Assessoria

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