O Ministério Público do Trabalho em Mato Grosso (MPT-MT) obteve a condenação do Estado de Mato Grosso em Ação Civil Pública (ACP) movida para obrigá-lo a suspender, imediatamente, a prática de assédio moral no ambiente de trabalho no âmbito dos Escritórios Regionais do Estado de Mato Grosso, pertencentes à Secretaria de Estado de Saúde de Mato Grosso (SES-MT). A decisão transitou em julgado em janeiro deste ano e não há mais como recorrer.
Na ACP, o Estado de Mato Grosso também foi condenado a pagar uma indenização por danos morais coletivos no valor de R$ 50 mil e a cumprir uma série de obrigações, inclusive criar mecanismos efetivos para combater essa prática.
O MPT aponta que, no curso do Inquérito Civil (IC) n. 000092.2022.23.004/2, após oitiva dos(as) servidores(as) lotados no Escritório Regional de Saúde de Colíder (ERSCOL), restou demonstrada a prática de assédio moral pela diretora da unidade, consistente em “perseguição de funcionários, tratamento agressivo para com os servidores, determinação de atividades fora da competência dos servidores, retirada de função de servidores, afastamentos por motivo psiquiátrico”.
Além de depoimentos, e diante das alegações de afastamento para tratamento psiquiátrico, foram juntados atestados médicos e receituários que evidenciaram o estado de sofrimento de alguns servidores(as). “Importante pontuar que, em sede de defesa, a parte reclamada não apresentou qualquer impugnação aos fatos apresentados e às provas produzidas pela parte reclamante [MPT] no inquérito civil, limitando-se a afirmar que já haviam sido tomadas as medidas cabíveis”, observou na sentença o Juízo da Vara do Trabalho de Peixoto de Azevedo.
O magistrado afirmou, ainda, que da análise das provas produzidas, o MPT “comprovou de forma insofismável que o tratamento dispensado pela diretora da ERSCOL extrapolou todos os limites da razoabilidade e do poder de mando e gestão, violando acintosamente os direitos da personalidade de diversos servidores, ocasionando, inclusive, enfermidades psiquiátricas em alguns”.
Ele acrescentou que “não há espaço para que o Judiciário Trabalhista chancele uma visão estruturalmente violenta, na medida em que diversos servidores relataram a conduta abusiva como eram tratados, bem como foram impostas medidas típicas de assédio moral, quais sejam, dificuldade de remoção para alguns, incentivo para outros, condutas omissivas que, conforme relatado, impediram recebimento de salários por 06 meses, e os diversos afastamentos por doenças psiquiátricas relacionadas ao ambiente laboral”.
MPT apontou falhas em processo interno de investigação
Servidores(as) do ERSCOL denunciaram ao MPT casos de assédio moral supostamente praticados pela diretora. Segundo o relato, a gestão dela era marcada por um ambiente de medo, coerção, má comunicação e outras práticas abusivas que teriam levado funcionários(as) a afastamentos por problemas psiquiátricos e a pedidos de remoções para outras unidades.
Diante da gravidade das acusações, o MPT instaurou o IC para apurar os fatos e buscar medidas reparatórias e inibitórias. A SES/MT foi acionada para apresentar eventuais procedimentos internos de apuração. Em resposta, anexou uma investigação conduzida pela Unidade Setorial de Correição (Unisecor).
O MPT, no entanto, destacou diversas falhas nesse procedimento, como a inclusão do Sindicato dos Servidores Públicos da Saúde (Sisma) como parte interessada, sem que este tenha sido ouvido, além da convocação de servidores(as) de Colíder para depor em Cuiabá em prazo exíguo — uma viagem de quase 700 km —, inviabilizando a ida de muitos ao local.
A Unisecor concluiu que não houve assédio e arquivou o caso. Para o MPT, a apuração da SES/MT demonstrou a inexistência de intenção investigatória por parte do Estado de Mato Grosso. “Em continuidade, visando verdadeiramente a investigar os fatos narrados na denúncia e à obtenção de maiores elementos para a formação da convicção ministerial, foram designadas e realizadas audiências administrativas, oportunidade em que foram colhidos depoimentos dos servidores do Escritório Regional de Colíder/MT, incluindo alguns denunciantes, que evidenciaram, de forma inequívoca, a prática de assédio moral no meio ambiente laboral da Ré”, salientou o MPT.
Depois, ao levar à SES/MT a situação fática, esta entendeu pela ausência de materialidade da denúncia, reafirmando a conclusão levada a efeito em processo administrativo anteriormente instaurado e mantendo a gestora no cargo de direção. O MPT, por sua vez, por entender que o Réu “não adotou quaisquer condutas diante da postura da Diretora do Escritório Regional de Colíder/MT, ao submeter seus subordinados, sistematicamente, a situações caracterizadoras de assédio moral”, e, a fim de assegurar a saúde física/psíquica/mental dos(as) servidores(as), ajuizou a ACP.
Condutas assediadoras causaram adoecimento de servidores(as)
Por assédio moral entende-se a conduta abusiva, de natureza psicológica, que atenta contra a dignidade do indivíduo. Consiste, em regra, em um comportamento intencional, frequente e repetitivo que busca diminuir, humilhar, vexar, constranger, desqualificar e demolir psiquicamente um indivíduo ou um grupo, degradando as suas condições de trabalho e colocando em risco a sua integridade pessoal e profissional.
“Atente-se que o terror psicológico provoca nas vítimas danos emocionais e doenças psicossomáticas, como alterações do sono, distúrbios alimentares, diminuição da libido, aumento da pressão arterial, desânimo, insegurança, entre outros, podendo acarretar quadros de pânico e depressão, ou até mesmo levar à morte ou ao suicídio. No que tange a esse tema, verifica-se dos depoimentos e documentos juntados aos autos, que inúmeros servidores que trabalham ou já trabalharam no Escritório Regional de Colíder/MT pediram transferência do local (remoção para outra unidade) estão afastados com atestado médico e alguns deles tomando medicações fortíssimas”, reforça o MPT na ACP.
Nos autos, o órgão assegura que a situação verificada em Colíder se encaixa perfeitamente nos critérios que caracterizam o assédio moral. Em relação à conduta abusiva, constatou-se, a partir das oitivas realizadas, que vários(as) servidores(as) narraram perseguição, tratamento agressivo, distribuição de tarefas não compatíveis com a função e retirada de função como punição.
A conduta também foi reiterada, já que as práticas narradas ocorreram com diversas pessoas pelo menos desde 2021, quando a denúncia foi realizada, e perduraram, posto que a diretora continuou exercendo suas atividades.
Por fim, houve finalidade deliberada de excluir funcionários(as) no contexto do meio ambiente de trabalho, uma vez que, considerando os depoimentos prestados, ficou evidente que a gestora tinha preferência por alguns(mas) funcionários(as) e isolava outros(as), estimulando um clima organizacional de tensão, medo, exposição, intimidação e desconfiança.
Obrigações de fazer e multa
O Estado de Mato Grosso, por meio da SES/MT, deverá, sob pena de multa, cumprir uma série de obrigações para prevenir e combater o assédio moral no ambiente de trabalho. As principais medidas são:
1. Criação de mecanismos efetivos para denúncia de práticas de assédio moral, com exposição mínima da vítima, resposta em tempo razoável, apuração da denúncia com seriedade e punição rigorosa dos(as) assediadores(as);
2. Programa permanente de prevenção ao assédio moral no ambiente de trabalho, a ser implementado no âmbito dos Escritórios Regionais do Estado de Mato Grosso, com descrição das causas e das medidas necessárias para fazê-lo cessar;
3. Cientificar os membros da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes e de Assédio (Cipa),os quais deverão receber treinamento específico sobre o fenômeno do assédio moral nas relações de trabalho;
4. Afixar declaração em quadro de avisos dos(as) servidores(as), ou ao lado do ponto eletrônico, contendo informações claras sobre o assédio moral, bem como as responsabilidades do Estado de Mato Grosso e da SES/MT para o seu enfrentamento e punição.
Referência: ACPCiv 0000206-21.2023.5.23.0041
Via | Assessoria
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