Um dia sem inglês

Um dia sem inglês

Encontrar pessoas e ouvir o que elas (pensam que) pensam é uma forma de perceber o quão equivocadas elas ou nós mesmos estamos acerca da nossa presença/ausência e (des)importância naquilo que acontece local, continental ou globalmente. Escutando-as, estamos sujeitos a ouvir de tudo, desde uma (rara e longa) explanação sobre algo relevante até um (frequente e estranho) modo de imaginar a realidade atual tendo como base vantagens pessoais e, consequentemente, desvantagens alheias. Como no caso de um sujeito, um completo desconhecido, que puxou conversa comigo para falar da sua discordância em relação a alguns pontos que eu defendo em minhas postagens (como evitar traduções a todo custo, por exemplo) e de algo com que ele tem sonhado há anos: um mundo em que a língua inglesa não mais exista. Eu o ouvi por vários minutos (como geralmente faço) com paciência e um quê de curiosidade. Afinal, não é todo dia que uma oportunidade de debate/resenha como essa, ainda que com essa temática esdrúxula, surge no nosso dia a dia atualmente. Assim, sempre que ele me permitia, eu fazia algumas ponderações citando alguns fatos históricos, geográficos e linguísticos que, tudo indicava, não eram do pleno conhecimento dele. No caso das traduções, eu lhe disse que elas, na maioria das vezes, são desnecessárias ou irrelevantes porque, dependendo do contexto em que a palavra ou a frase estivesse inserida, a sua complexidade envolveria aspectos como bom vocabulário, boa memória e bom raciocínio, dando-lhe algumas provas e amostras nesse sentido. Quanto à possibilidade de um mundo sem a língua inglesa, eu disse a ele, isso se assemelhava a um planeta Terra sem gravidade, sem água ou sem ar, enfatizando o papel imprescindível que a English language tem hoje no dia a dia de bilhões de habitantes deste cantinho do universo, seja na vida pessoal ou profissional de cada um de nós, independentemente da nossa nacionalidade. Ou será que países que se autodeclaram “inimigos” dos americanos e dos ingleses não utilizam seus produtos, seus serviços e suas palavras porque são autossuficientes o bastante e conseguem viver isolados de tudo que tem relação com os povos de origem anglo-saxônica, dear reader? Diante do silêncio dele, eu sugeri o seguinte: que ele desse uma de John Lennon e imaginasse a possibilidade de poder viver somente um dia sem ouvir, falar, ler ou escrever uma palavra sequer da língua inglesa. Como um dia, na verdade, tem atualmente 23 horas, 56 minutos e 4,1 segundos, este seria o tempo ideal para ele (tentar) se abster totalmente de consumir qualquer coisa que tivesse a ver com a English language. Em seguida, eu perguntei a ele se, sinceramente, isso seria possível. Como esperado, ele titubeou um pouco, mas respondeu negativamente. Daí, fui eu quem discordou dele, pois isso é humanamente possível, desde que você se isole de tudo e de todos, talvez até de si mesmo, numa caverna, numa floresta, etc. Feito um eremita! Pouco provável, right? No atual nível de desenvolvimento tecnológico e científico da humanidade, eu complementei, nem mesmo o campo ou as áreas mais remotas do planeta estão fora do alcance dos tentáculos da humanidade. Prova disso são os impressionantes avanços em setores do agronegócio em escala mundial e do turismo, mais recentemente, espacial. Se isso é bom ou se isso é ruim, só o tempo dirá. Tempo esse que, convertido para o verbete inglês ‘time’, é sinônimo de dinheiro. Logo, como bem enfatizou o histórico Benjamin Franklin (1706-1790), que aparece na nota de 100 dólares americanos, time is money! O desconhecido ficou em silêncio por alguns segundos, sorriu timidamente, foi se afastando e finalmente disse: “Okay. Bye!” E, desde então, eu não o vi mais…

Via |  JERRY MILL é presidente da ALCAA (Associação Livre de Cultura Anglo-Americana), membro-fundador da Academia Rondonopolitana de Letras (ARL) e associado honorário do Rotary Club de Rondonópolis.

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