O prefeito de Cuiabá, Emanuel Pinheiro (MDB) foi afastado da função nesta terça-feira (19) por ordem da Justiça, após investigação de suposta organização criminosa voltada para contratações irregulares de servidores temporários na Secretaria Municipal de Saúde, que, em sua maioria teria sido realizada para atender interesses políticos do prefeito.

Além disso, a decisão trata de irregularidades no ‘Prêmio Saúde’, que era cedido sem nenhum parâmetro para os servidores.

Foram mais de R$ 16 milhões de prejuízo aos cofres públicos de Cuiabá só com os valores do ‘Prêmio Saúde’.

Por meio de nota, o prefeito Emanuel Pinheiro informou que irá recorrer na Justiça. A primeira-dama afirmou que está à disposição das autoridades. Já o advogado da defesa de Antônio Monreal afirmou que irá a revogação do mandado de prisão junto ao próprio Tribunal de Justiça.

A decisão que afastou o prefeito e deu mandou prender o chefe de gabinete Antônio Monreal Neto é do desembargador Luiz Ferreira da Silva, da Turma de Câmaras Criminais do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT).

Entenda como funcionava o esquema, segundo a decisão:

O inquérito instaurado no Núcleo de Ações de Competência Originária (NACO) tem as declarações do ex-Secretário de Saúde de Cuiabá, Huark Douglas Correia, extraídas do acordo de delação firmado com a 9ª Promotoria de Justiça Cível da capital.

Huark decidiu fazer a delação após descobrir que a Polícia Civil apurava a existência de possíveis irregularidades na contratação de servidores temporários para o Pronto Socorro Municipal de Cuiabá, no período março a dezembro de 2018, época em que ele ocupava o cargo de gestor da Secretaria de Saúde de Cuiabá.

Huark disse que durante o período de sua gestão, a Secretaria de Saúde de Cuiabá teria contratado mais de 250 servidores temporários, cuja contratação, em sua maioria, teria sido realizada para atender interesses políticos do prefeito de Cuiabá e que o próprio Emanuel Pinheiro teria dito ao secretário que as referidas contratações seriam um ‘canhão politico’, que eram levadas a cabo por indicação política, principalmente de vereadores, e visavam retribuir ou comprar apoio político;

“Muitas contratações eram realizadas sem necessidade e envolviam pessoas que não tinham formação profissional para o cargo que desempenhavam, causando prejuízo ao erário”, diz trecho da decisão.

Ainda segundo o processo, Emanuel Pinheiro descumpriu aos comandos do Tribunal de Contas de Mato Grosso em relação ao pagamento irregular do ‘Prêmio Saúde’ e a decisão deste órgão sobre a contratação irregular de servidores temporários, na qual foram determinadas a deflagração imediata de processo seletivo simplificado e a apresentação de proposta de cronograma de concurso público.

O chefe do Poder Executivo não teria cumprido também a notificação do MPE decorrente do descumprimento das obrigações assumidas no Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), em cujo instrumento a municipalidade se comprometeu a elaborar o Plano de Cargos e Carreiras da Secretaria Municipal de Saúde, realizar concurso público e manter o percentual de contratos temporários no máximo de 25%, exceto em situações excepcionais de interesse público.

Além disso, a investigação aponta que a folha de pagamento de pessoal da Secretaria de Saúde de Cuiabá era uma das maiores despesas da pasta, chegando ter em média 5.400 servidores e que o número de temporários era superior a dos efetivos.

Emanuel Pinheiro, Antonio Possas e Huark faziam reuniões no escritório ao lado da casa do prefeito, fora do horário de expediente, e na época devido ao alto valor do orçamento de pessoal, foi sugerido um corte de funcionários em torno de 800 a 1.000 funcionários temporários da área meio administrativo, mas isso não aconteceu, declarou Huark.

“Por várias vezes foram discutidos sobre pessoas qualificadas terem sido substituídas por pessoas sem nenhuma qualificação na área. Todas as vezes que o declarante falou com a Ivone a respeito dessas contratações e demissões, a mesma informava que o prefeito tinha ciência do fato e estava cumprindo ordens”, diz outro trecho.

Outros participantes

Segundo o documento, Elizeth Lúcia de Araújo, ex-secretária de Saúde de Cuiabá no período de janeiro de 2017 a março de 2018, por sua vez, ao ser ouvida afirmou que era prática comum a contratação de servidores temporários naquela pasta, motivo pelo qual tramitava uma ação civil pública proposta pelo Ministério Público que tinha por objetivo obrigar o Município de Cuiabá a realizar concurso público.

Embora ela tenha chegado a adotar as providências necessárias para a realização de um processo seletivo, deparou-se com diversos entraves. Ela afirmou que chegou a ser pressionada no sentido de substituir servidores.

A declarante destaca, que houve uma determinação do Prefeito Emanuel Pinheiro para ela trocar a coordenadora de Gestão de Pessoas da Secretaria Municipal de Saúde, que, na sequência, foi substituída pelo investigado Ricardo Aparecido Ribeiro, cuja pessoa teria sido indicado por Márcia Aparecida Kuhn Pinheiro, culminando com a paralisação do processo seletivo.

Mas, se isso não bastasse, Elizeth Lúcia assevera que perdeu o controle sobre a contratação dos servidores temporários.

A declarante esclareceu também que, daquele momento para frente, Ricardo Aparecido despachava diretamente com Márcia Aparecida Kuhn Pinheiro e Ivone de Souza; e o contrato chegava para ela assinar tempos depois que os contratados haviam começado a trabalhar e estavam na folha de pagamento, ressaltando, ainda, que grande parte das pessoas contratadas não tinha qualificação técnica para o cargo e tratava de indicações políticas feitas pelo Gabinete do Prefeito, por vereadores, além de muitos pedidos serem realizados por Márcia Aparecida Kuhn Pinheiro, por intermédio da investigada Ivone de Souza.

“Elizeth Lúcia também trouxe à tona a existência da irregularidade referente ao pagamento do ‘Prêmio Saúde’, que era efetuado sem parametrização alguma quanto ao valor e aos cargos que deveriam fazer jus ao referido benefício, cujos valores – que variavam entre setenta reais e cinco mil e pouco reais –, eram determinados livremente pelo prefeito de Cuiabá e pela Primeira Dama, que mandavam, intermédio de Ivone de Souza, bilhetinhos definindo o valor que o indicado tinha que receber de ‘Prêmio Saúde’, diz trecho do documento.

Ricardo Aparecido Ribeiro, que foi Coordenador de Gestão de Pessoas na Secretaria de Saúde de Cuiabá no período de julho de 2017 a julho de 2020, ao ser ouvido, disse que existiam muitas indicações de pessoas para contratação que eram feitas por vereadores e que a Secretaria de Saúde de Cuiabá tinha algo em torno de 5 mil servidores, dos quais aproximadamente 60% eram temporários.

Ele também afirmou que o ex-Secretário Municipal de Saúde, Huark Duarte, negou-se a assinar muitos contratos, tendo em vista o fato de achar que não tinha necessidade da contratação daquele número de servidores na área operacional.

No que diz respeito ao ‘Prêmio Saúde’, Ricardo Aparecido afirmou que no início todos os servidores recebiam, alguns recebiam o máximo e outros não, mas quem deliberava o valor a receber, mínimo ou o máximo, seriam os secretários da pasta.

Durante o processo investigatório, também foi ouvida Bianca Scaravonatto, que trabalhou na Secretaria de Saúde de maio a dezembro de 2018, segundo a qual foi contratada por indicação do vereador Marcrean.

E, apesar de não ter formação na área, foi contratada para o cargo de agente operacional e exercia suas funções como atendente de farmácia em um posto de saúde.

Essa testemunha afirmou que também recebia o ‘Prêmio Saúde’ no valor de R$ 70, e que referida verba era conhecida como ‘mensalinho’ que seria uma ajuda de custo. Bianca disse, ao final, que tem conhecimento de que todos na Secretaria de Saúde de Cuiabá recebem e que as pessoas que tinham curso superior recebiam um valor maior.

Servidores temporários x servidores efetivos

O documento também aponta pesquisa realizada pelos representantes no Portal Transparência da Prefeitura de Cuiabá, no dia 10 de setembro de 2021.O levantamento mostra que a Secretaria de Saúde Cuiabá contava com um total de 6.696 servidores, sendo que 3.565 deles, ou seja, 53,23% eram contratados temporários.

Além disso, a empresa Cuiabana de Saúde Pública, que integra o Sistema de Saúde Municipal, possuía 1.827 servidores, dos quais 1.803 eram contratados temporários, isto é, 98,68%.

O Sistema de Saúde de Cuiabá tinha, no total, 5.368 servidores temporários, número que se revela elevadíssimo se comparado a quantidade de servidores de todo o Poder judiciário do Estado de Mato Grosso, que possui 4.579 servidores em seu quadro de funcionários, incluindo suas 79 comarcas.

“O investigado Emanuel Pinheiro estaria fazendo, em tese, da contratação temporária como o principal meio de admissão de servidores na Secretaria de Saúde Cuiabá, com o intuito conseguir apoio político dentro da Câmara Municipal de Cuiabá, tanto que, conforme afirmado pela ex-Secretária de Saúde Elizeth Lúcia de Araújo, quando ela estava formalizando o processo para a realização de concurso público ou processo seletivo simplificado, servidores foram mandados embora à revelia dela e o projeto foi engavetado”, aponta decisão.

Prisão, buscas e apreensões

Dessa forma, ficou configurado a existência de elementos indicativos de que a conduta dos representados está causando sérios prejuízos ao erário municipal e que há resistência dos agentes em cessar as irregularidades e colaborar com os poderes constituídos, havendo a necessidade das medidas cautelares:

  • Afastamento do cargo em relação a Emanuel Pinheiro (Prefeito de Cuiabá), Antônio Monreal Neto (Chefe de Gabinete) e Ivone de Souza (Secretária Adjunta de Governo e Assuntos Estratégicos
  • Sequestro de valores em relação a Emanuel Pinheiro, Márcia Aparecida Kuhn Pinheiro, Antônio Monreal Neto, Ivone de Souza e Ricardo Aparecido Ribeiro (Ex-Coordenador de Gestão de Pessoas da Secretaria de Cuiabá)
  • Busca e apreensão em relação a Emanuel Pinheiro, Márcia Aparecida Kuhn Pinheiro, Antônio Monreal Neto, Ivone de Souza e Ricardo Aparecido Ribeiro
  • Prisão temporária de Antônio Monreal Neto

Quanto ao afastamento dos cargos, a Justiça justificou que os fatos imputados a essas pessoas são graves, as condutas estão sendo perpetradas ao longo dos anos e há resistência por parte alguns deles em cumprir a ordem judicial.

“Tudo isso demonstra que além de dificultarem a colheita de elementos probatórios, os investigados, em tese, continuarão a agir com as contratações irregulares de servidores temporários, além do pagamento da gratificação indevida do ‘Prêmio Saúde’, em valores definidos pelo Chefe do Poder Executivo de acordo com critério pessoal, a pessoas que não fazem jus ao aludido benefício”, diz.

Via | G1
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