O autor foi contratado pelo município de Goiânia, pelo regime celetista, em 1984, para atuar como zelador. Em 1990, o governo municipal editou a Lei Complementar 4/1990, que instituiu o Regime Jurídico Único para os servidores públicos municipais e, automaticamente, enquadrou os servidores contratados pelo antigo regime no quadro próprio da prefeitura, sem a realização de concurso público.
Na ação trabalhista, o servidor requereu a condenação do município de Goiânia ao recolhimento integral da contribuição fundiária referente ao período em que não foi recolhido. Ele argumentou que, tendo sido admitido sem concurso público em data anterior à CF/88 e com contrato regido pelo regime celetista, a prefeitura não poderia ter suspendido o recolhimento do FGTS.
Sustentou ainda que não se aplica ao seu caso a prescrição quinquenal trabalhista, mas, sim, a prescrição trintenária, que é a prescrição relativa ao recolhimento dos depósitos de FGTS, conforme o artigo 23, parágrafo 5º, da lei que regulamentou o FGTS (Lei 8.036/90) e a Súmula 362 do TST.
A Procuradoria do Município de Goiânia contestou os pedidos do trabalhador alegando que houve a prescrição quinquenal para o ajuizamento de ação trabalhista e que o contrato de trabalho foi extinto no momento da alteração do regime de celetista para estatutário. Além disso, argumentou que o deferimento de FGTS ao reclamante criaria “uma flagrante desigualdade no âmbito do serviço público municipal”, porque os servidores públicos concursados teriam menos direitos do que o servidor público contemplado pela transmudação de regime antes da promulgação da Constituição de 1988, afrontando claramente o artigo 5º, que prevê a regra da isonomia, e o artigo 39, que preconiza o regime jurídico único.
O caso foi analisado pelo juiz Celismar Coelho de Figueiredo, da 7ª Vara do Trabalho de Goiânia. Segundo ele, de fato houve a transmudação do regime celetista para o regime estatutário confirmada com a vigência da Lei Complementar 4, do município de Goiânia, a partir de 28 de dezembro de 1990. O magistrado, no entanto, concluiu ser inviável a conversão automática do regime jurídico de contratação do autor de celetista para estatutário tendo em vista a obrigatoriedade de observância ao princípio administrativo do concurso público, por força do artigo 37, II, da Constituição Federal.
Celismar Figueiredo citou jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho em vários julgados no sentido de que os servidores admitidos sem submissão a concurso público antes da Constituição da República de 1988 continuam sendo regidos pelo regime celetista, independentemente da existência de norma posterior estadual ou municipal que estabeleça conversão automática.
Dessa forma, declarou que o regime jurídico aplicável à relação jurídica mantida entre as partes é celetista. Já analisando a questão da prescrição, o entendimento foi o de que, reconhecida a ineficácia da conversão do regime celetista para o regime estatutário, não há que se falar em início de marco prescricional a partir da referida transmudação, porquanto não foi observado o princípio administrativo do concurso público.
O juiz explicou que nesse caso é aplicada a prescrição trintenária, conforme entendimento do STF no ARE-709.212/DF, que foi replicado pelo TST na Súmula 362, II. Segundo esse normativo, para os casos em que o prazo prescricional já estava em curso em 13/11/2014, aplica-se o prazo prescricional que se consumar primeiro: 30 anos, contados do termo inicial, ou cinco anos, a partir de 13/11/2014. Dessa forma, como o trabalhador foi admitido em 1984, o prazo prescricional já estava em curso em novembro de 2014 e sua prescrição aconteceria somente em 14/11/2019.
Celismar Figueiredo ressaltou que o FGTS foi incluído no rol dos direitos dos trabalhadores urbanos e rurais do artigo 7º, inciso III, da Constituição Federal, e reconheceu que o trabalhador faz jus aos depósitos fundiários a partir de 6/7/1988, ou seja, dos 30 anos anteriores ao ajuizamento da ação trabalhista.
Dessa forma, com base na lei que regulamentou o FGTS e na Súmula 362 do TST, o município de Goiânia foi condenado a depositar na conta vinculada do reclamante os valores a título de FGTS das últimas três décadas.
O município ainda terá de pagar ao advogado da parte reclamante os honorários de sucumbência arbitrados em 15% sobre o valor da liquidação.
RTOrd – 0010865-11.2018.5.18.0007
Fonte | Consultor JurídicoShare this content: