No Brasil, o abuso de drogas representa questão de saúde pública, representando problema que não encontra qualquer barreira de origem econômica ou social. Nesse contexto, a facilidade e reduzido custo do plantio de maconha costuma torná-la a porta de entrada para vícios em drogas com efeitos psicotrópicos graves (cocaína, crack, haxixe, etc.), inclusive as sintéticas, produzidas em laboratório, como o LSD, ecstasy, etc.

Diante deste cenário, no Brasil a utilização recreativa de maconha é considerada crime. Na verdade, a criminalização alcança até mesmo sua produção e guarda para consumo pessoal.

Todavia, a Lei de Drogas faculta à União a possibilidade de autorizar o plantio, a cultura e a colheita dos vegetais e substratos dos quais possam ser extraídas ou produzidas drogas, exclusivamente para fins medicinais ou científicos.

Até a presente data, contudo, inexiste qualquer regulamentação em sentido estrito acerca deste ponto.

Em tempo: o canabidiol é uma das várias substâncias encontradas na planta chamada Cannabis Sativa, popularmente conhecida por maconha. Sua utilização para fins terapêuticos e medicinais remonta a mais de 2.500 a.C. (dois mil e quinhentos anos antes de cristo), quando chineses e indianos usavam a maconha para enfrentar dores, tuberculose, malária, ansiedade, dentre outras doenças.

Porém, somente com o avanço da tecnologia foi possível separar as substâncias oriundas da referida planta, ocasião em que se constatou que o Canabidiol (CDB) não causa efeitos sobre psicoativos, isto é, não influencia a atividade psíquica dos seus usuários.

Ao contrário, estudos baseados em evidência científica têm comprovado seu alto potencial terapêutico no tratamento de epilepsia, autismo (Transtorno do Espectro Autista – TEA) e dores crônicas, além de ajudar no combate à ansiedade, depressão e problemas de sono.

Com efeito, diversas pessoas cujos diagnósticos específicos recomendam o uso terapêutico de canabidiol têm enfrentado dificuldade para acessar tal substância medicamentosa, justamente pela omissão legislativa sobre o assunto.

O primeiro entrave tem natureza burocrática.

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA, autarquia federal que tem por missão promover a proteção da saúde da população, por intermédio do controle sanitário da produção e consumo de produtos e serviços submetidos à vigilância sanitária, tem lista de apenas 08 (oito) produtos à base de extrato de Cannabis Sativa (além de outros 10 fitofármacos canabidiol).

Nenhum deles, contudo, é fabricado no Brasil. Por isso, a ANVISA fixou procedimento para a sua importação, com rigorosa exigência de documentação tanto para a pessoa jurídica quanto para a pessoa física, sendo, neste último caso, a solicitação feita pela internet e com prazo de até 20 (vinte) dias para resposta (concessão ou não da autorização da importação).

Autorizada a importação, o segundo entrave é econômico.

Mesmo com mudanças recentes nas regras da ANVISA para ampliar a lista acima mencionada e simplificar a forma de acesso à autorização, os valores a serem despendidos para tratamento com uso de canabidiol, que costuma ser de longo prazo, são altos, inacessíveis a diversas pessoas que tem necessidade de usá-lo.

Diante deste cenário de omissão legislativa, burocracia e altos custos de importação, tem sido comum a judicialização tanto para acesso aos produtos autorizados pela ANVISA quanto para o plantio de cannabis sativa e extração caseira do óleo que contém o canabidiol para uso terapêutico.

É que, dependendo do caso, compete às operadoras de planos de saúde disponibilizar o produto ao usuário que esteja em ambiente de internação. Todavia, é comum que se recusem a fazê-lo, situação em que a judicialização é possível para impor a obrigação legal e contratual de cobertura.

Existe, também, a possibilidade de buscar junto aos entes públicos a aquisição e entrega do produto, mediante processo judicial em que haja demonstração de sua imprescindibilidade clínica, da impossibilidade econômica de custear a importação e de não existir medicamentos ou protocolos do SUS capaz de substituí-lo, conforme já definiu o Supremo Tribunal Federal – STF.

Por fim, o plantio e a extração caseira do canabidiol requer cuidado extra, qual seja: evitar a configuração de crime, conforme mencionado no início deste artigo. Nesse sentido, com o adequado conjunto de provas, é possível buscar as vias judiciais para obter salvo-conduto para adquirir os instrumentos, produzir a planta e extrair o óleo essencial ao tratamento terapêutico, conforme precedentes do Superior Tribunal de Justiça – STJ, uma vez que a norma penal proíbe o uso recreativo de drogas, mas não o medicinal.

De antemão, resta evidente que a segurança jurídica para o acesso aos produtos medicinais e terapêuticos extraídos de Cannabis Sativa seria resguarda se houvesse legislação específica tratando do tema, guarnecendo o direito à saúde dos seus usuários, seja pela facilitação da aquisição dos produtos industrializados, seja pela produção caseira do canabidiol.

Enquanto não for editada tal regra, feliz ou infelizmente, a via judicial continuará a ser a mais segura para evitar problemas maiores às pessoas que necessitam do uso terapêutico de produtos oriundos da maconha.

Via | Daniel Gomes Soares de Sousa é Procurador do Estado de Mato Grosso e advogado no escritório Segatto Advocacia.
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