Policiais civis do Distrito Federal acordaram José Domingos Leitão, de 52 anos, e a família do homem com chutes nas portas de casa, gritos e ordens para calar a boca. Morador de Ilha Grande, no Piauí, o pedreiro foi preso às 5h de 7 de outubro de 2020, após um programa de reconhecimento facial o confundir com o verdadeiro autor de um crime em Brasília.

O erro na coleta de dados digitais do programa fez com que José Domingos fosse preso pelos agentes sob acusação de usar documento falso para receber o cartão de crédito de uma loja de departamentos do Distrito Federal. “Ou eu ia ficar preso pelo resto da vida ou eles iam me matar no caminho”, conta o pedreiro o que pensou ao ser algemado.

Eu sofri, porque fui julgado pelos vizinhos. Perdi muitos serviços, porque disseram que eu era traficante.

José estava em casa com a esposa, o sobrinho dela e a sogra no momento da prisão. “Todo mundo se assustou, levantando, correndo. Até que a minha esposa conseguiu abrir a porta e eles já foram entrando, mandando todo mundo sentar, todos com arma na mão. A minha família ficou traumatizada. Ninguém disse nada. Minha sogra, que é cardíaca, passou mal. Precisou tomar água com açúcar. Assim mesmo, eles não estavam nem aí”, diz.

Laudo

A prisão foi decretada com base em um laudo do Instituto de Identificação da PCDF, que comparou uma imagem de circuito interno da loja com a foto do pedreiro, disponível no registro geral de pessoas — um banco de dados nacional de todos os que possuem documento de identidade. “Eles perguntaram meu nome todo e eu falei meu nome: ‘José Domingos Leitão’. A delegada disse assim: ‘É você mesmo que estamos procurando e você sabe o que fez’. Perguntei o que foi que eu fiz e ela disse: ‘Então, você sabe’. E ficou mandando eu calar a boca, perguntando cadê os cartões. Eu sem saber que cartão era esse.” Na data do crime cometido em Brasília, o pedreiro estava na casa do vizinho, construindo um muro. Sem poder se defender, ele foi levado numa aeronave até a capital do país e ficou detido no Departamento de Polícia Especializada (DPE). A todo momento, José diz ter temido pela própria vida e pela liberdade para trabalhar e sustentar a família. “Falei que era inocente e a delegada falou para mim para eu pensar no que tinha feito. Pensei muito na minha família, que eu não ia voltar mais. Que eu ia ficar preso ou que, depois que eu descesse do avião, iam me matar”, desabafa.

Justiça

O equívoco só foi desfeito três dias depois da detenção. No curso da investigação, a Polícia Civil admitiu o engano e fez uma retificação do laudo. O pedreiro, que não tem antecedentes, agora apresenta dificuldade para dormir, passou a usar remédios e decidiu processar o Distrito Federal por danos morais. Ele pede uma indenização de R$ 50 mil. Quando perguntado sobre como reparar essa injustiça, José se emociona, perde a fala momentaneamente e só diz: “O que eu passei, não quero que ninguém passe”. A esposa, Roseane Araújo, conta que chegou a pensar que nunca mais ia ver o marido. “A delegada me mostrou as duas fotos. É nítido, olhando dá para ver que não é ele. Quando chegaram na minha casa, viram que não era ele. A foto da comparação é do meu marido de 30 anos atrás, comparando com uma pessoa recente”, reclama. A Procuradoria do Distrito Federal negou a culpa dos agentes da Polícia Civil e informou que eles seguiram uma decisão judicial. “Em suma, a autoridade policial apenas cumpriu com o seu dever legal de dar cumprimento ao mando de prisão constante dos registros oficiais.” Carlos Alberto de Castro Júnior, advogado de José, questiona a investigação. “Como a Polícia Civil da capital do país comete um erro tão grosseiro a ponto de um laudo pericial concluir como positivo para pessoas distintas? Fato que ensejou a prisão de um inocente. E quantos outros Josés estão presos inocentemente por erro da polícia?” Para o advogado criminalista Philipe Benoni, apesar de apresentar uma justificativa razoável, com a finalidade aparentemente inofensiva de facilitação do serviço de segurança pública, a tecnologia de reconhecimento facial “tem sido o motivo de diversas prisões indevidas e consequentes erros judiciários”. “A evolução tecnológica não pode ser desculpa para o desrespeito aos direitos e garantias fundamentais. É necessário que a capacitação técnica respeite a cultura da prova e siga estritamente o devido processo legal, especialmente a presunção de inocência, que deve vigorar em todas as fases da investigação e do processo penal. Alem da potencialização do risco de erros por semelhança de pessoas, o reconhecimento facial traz a consequência de reduzir a privacidade de todos os cidadãos”, avalia Philipe.
Via | R7
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