São pelo menos 150 anos de criação de gado de forma coletiva na Baía de Chacororé, na divisa entre Barão de Melgaço e Santo Antônio do Leverger, em Mato Grosso. Mas essa história está sendo ameaçada com a construção de uma cerca elétrica, que tem aproximadamente 3km de extensão e que há 20 dias vem tirando o sono dos moradores da região.

São 150 produtores rurais que moram ao redor da área inundável, e que utilizam o leito da baía como pastagem para aproximadamente 5 mil bovinos durante o período de seca. Medidas judiciais e administrativas contra a construção já foram tomadas, e a expectativa é que essa semana seja decisiva para colocar fim ao caos que se transformou a cerca, que além do risco à tradição também é um crime ambiental que ameaça a fauna silvestre do Pantanal. Na última sexta-feira (8), os moradores das comunidades das zonas rurais de Barão de Melgaço e Santo Antônio do Leverger, como Bocaiuval, Porto de Fora, Morro do Meio, Mimoso, Mutum e Mucambo, fizeram uma reunião no local onde está sendo construída a cerca para poder discutir as providências que já estão sendo tomadas para inibir a continuidade do que consideram um verdadeiro “absurdo”. O criador Edésio Lucas Evangelista, 54 anos, é presidente da CoperPantanal, uma cooperativa de produtores rurais que reúne quem utiliza a área para cuidar do gado. Ele explica que a existência da cerca é um crime ambiental porque a Baía de Chacororé é uma área de preservação permanente (APP), que pertence ao Estado de Mato Grosso e que é tradicionalmente utilizada, há mais de 150 anos, para uso coletivo do manejo do gado. “Todos os anos, nós trazemos o rebanho para essa área, porque quando as águas secam, cresce uma vegetação nativa que serve de pastagem para o gado. É uma presença histórica da nossa comunidade neste local. Nossos bisavós, avós, nós e nossos filhos e netos utilizamos dessa forma de manejo para praticar a principal fonte de economia da região, que é a criação de bovinos”, explica. Com cerca de 8 mil quilômetros quadrados de área, a Baía de Chacororé se transforma em um grande lago durante o período de cheia entre janeiro e junho, com profundidade média de dois metros. Quando as águas começam a baixar, são formadas lagoas que servem de bebedouro para o gado, e a pastagem que se transforma na principal fonte de alimento para os animais, tudo isso em meio a um cenário silvestre, com presença de outros animais nativos do Pantanal, que é conhecida pela sua riqueza de flora e fauna. O problema enfrentado pelos moradores com a criação da cerca intensifica a dura realidade que já vem passando o Pantanal, com o segundo ano consecutivo de forte seca e incidência de queimadas. Em 2020 foram registrados 21 mil focos de incêndio na região, conforme dados do Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientes (LASA) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UERJ). Já o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) aponta que de janeiro a até agora, já foram registrados 6.527 mil focos de incêndio no Pantanal. Contudo, Edésio afirma que a presença do gado na Baía de Chacororé é uma forma de combater esses incêndios, já que ao consumirem a vegetação natural que forma na região, reduzem o volume de biomassa que forma sobre o solo, reduzindo dessa forma o combustível para um potencial incêndio na área. Pecuaristas preocupados Os cerca de 150 pecuaristas que moram ao redor da Baía de Chacororé são considerados pequenos e médios criadores. “Aqui tem criador que possui três cabeças de gado, e outros que possuem quinhentas. A maioria é gente humilde, que a família está na região há mais de 150 anos. É um curando o bezerro do outro, todo mundo colaborando. Daí vem uma pessoa e faz essa cerca, na minha opinião isso é uma grilagem, e eu espero que a Justiça não permita que isso continue”, afirma Edson Gonçalves Pinheiro, de 43 anos e que mora na comunidade de Mimoso, terra onde nasceu Marechal Rondon. Edson explica que a única forma de delimitação de espaço que existe nos arredores da Baía de Chacororé são os chamados “retiros”, que são currais onde o gado é manejado no período quando a baía está cheia. A senhora Júlia de Oliveira Amorim, 73 anos, é uma legítima nascida e moradora da comunidade Porto de Fora, que margeia a Baía de Chacororé. Ela é uma das mais antigas entre os criadores de gado na região e afirma que está preocupada com a construção da cerca. “É um absurdo o que está acontecendo. Isso tem que ser resolvido o quanto antes. Já pensou se todo mundo resolver fechar a baía com cerca, vai ser impossível continuarmos a criar o gado aqui”, exclama. Clóvis César Costa Moura, 69 anos, é morador de Mimoso e diz que a construção da cerca é uma forma de enterrar a história do local. “Essa é uma história que vem desde antes de Rondon. O que está acontecendo é que estão tentando acabar com a dignidade do nosso povo. Uma cerca elétrica é totalmente proibida aqui porque pode matar os animais silvestres e o gado também. O que estão fazendo é absolutamente por especulação e interesse financeiro”. Os moradores acreditam que em razão da seca que vem atingindo a cada ano a Baía de Chacororé, deu-se início a uma verdadeira especulação em torno da terra. A construção da cerca na região seria uma forma de lotear a terra por meio de grilagem para depois vendê-la, o que é proibido por ser um território estadual. CoperPantanal toma medidas A CoperPantanal já tem mobilizado o Poder Público para tomar providências em relação à ameaça provocada pela construção da cerca na Baía de Chacororé. A primeira medida foi realizar uma denúncia à Delegacia Especializada do Meio Ambiente (DEMA), que já esteve no local acompanhada pela Perícia Oficial de Identificação Técnica (Politec) e notificou o proprietário da cerca para que interrompesse imediatamente a continuação do empreendimento. Também já foi acionado o Ministério Público, que já tomou providências perante ao Juizado Volante Ambiental (JUVAM), que também emitiu um auto de infração contra o criador que está tentando cercar a Baía de Chacororé. Mas ambas notificações não foram obedecidas. O caso também está sendo acompanhado pelo deputado estadual Alan Kardec, que tem origem na região de Santo Antônio do Leverger. O parlamentar esteve na reunião feita com a comunidade nesta sexta-feira (8) e afirmou que vai ajudar a cooperativa na regulamentação da área, por meio de um projeto de lei que deverá reconhecer a Baía de Chacororé como uma área de uso coletivo pelos pecuaristas. “Temos um propósito comum que é fazer a manutenção da criação pantaneira secular, que é temporária do gado, comum a todos. É isso que vamos a partir daqui inscrever em lei e deixar escrito. Já aprovamos na última semana uma lei sobre a política das baías em Mato Grosso e o manejo de gado durante o período de seca”, explicou. O vereador Rômulo Queiroz das Neves, o Rominho, que é presidente da Câmara Municipal de Santo Antônio do Leverger também esteve presente na reunião e reforçou a importância da criação de políticas públicas para preservar a Baía de Chacororé. “Aqui todos respeitam a natureza e a gente se depara com essa situação provocada por uma pessoa que não respeita o meio ambiente e a cultura local. O nosso povo sempre criou e respeitou, nunca fez derrubada e nem queimada, nós sabemos conviver com o Pantanal. Vamos lutar para garantir a preservação da Baía de Chacororé”. A CoperPantanal também quer regularizar a Baía por meio de georreferenciamento e consolidar junto aos órgãos regulatórios toda documentação necessária para proteger Chacororé da ameaça em curso com a construção da cerca e de qualquer futura ameaça que possa colocar em risco o centenário sistema econômico coletivo instalado na região há mais.

Via | Assessoria
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