A Rede de Produção Orgânica da Amazônia Mato-grossense (Repoama), entidade formalizada em 2019 nas regiões norte e noroeste de Mato Grosso, criou um novo mecanismo financeiro na região para apoiar a produção orgânica da agricultura familiar: o Fundo Rotativo Solidário (FRS). Como alternativa ao crédito rural, o fundo irá apoiar as famílias integrantes da rede e em transição para produção orgânica, capaz de gerar renda e manutenção dos agricultores da área rural. O novo financiamento irá apoiar produtores como Marcilene Medeiro da Silva, agricultora familiar do município de Alta Floresta, município da região norte de Mato Grosso. Para ela, com a consolidação do cultivo de orgânicos em sua propriedade, uma pequena chácara na Comunidade Nossa Senhora de Guadalupe, a saúde da família aumenta e, logo, os gastos diminuem. É economia financeira e saúde da família e do meio ambiente. Mas apesar dos benefícios para a saúde serem imediatos, o processo de retirada de insumos agrícolas e a obtenção do selo para valorização do produto exigem gastos que por vezes impossibilitam a transição completa para o método sustentável de produção. Isso e a busca da família de Marcilene e de outras por bem-estar na região, área sob intensa pressão de desmatamento, resultou na formação da Repoama e do fundo rotativo. A ação integra o projeto Agroecologia em Rede, implementado pelo ICV com financiamento do Programa Global REDD Early Movers (REM) desde o ano passado. O projeto REM é executado em parceria com o Governo do Estado de Mato Grosso, Banco de Desenvolvimento (KfW) Alemão e a Secretaria de Negócios, Energia e Estratégia Industrial (BEIS) do Reino Unido, e tem como gestor financeiro o Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (Funbio). “O banco em geral só empresta dinheiro pra quem tem dinheiro, e o fundo já vem com esse propósito direcionado de apoiar o orgânico e o pequeno produtor. É solidário e quando se fala em solidariedade, é pelo bem ao próximo”, afirma a agricultora. A modalidade de financiamento é conhecida e baseada na economia solidária, conceito que abrange valores humanos e ambientais ancorados no fortalecimento comunitário. A principal diferença do modelo na obtenção de microcrédito em uma agência bancária convencional é a capacidade da rede estabelecer as próprias normas e regras como tempo de carência, valores limites para financiamento, taxa de juros e prazos de pagamento. Em casos de inadimplência, também é possível analisar caso a caso para determinar medidas de apoio às famílias e, em última instância, alguma sanção. Todas as regras do Fundo Rotativo Solidário (FRS) da Repoama foram sistematizadas em conjunto com os agricultores nos últimos meses por meio de uma série de oficinas e reuniões promovidas pelo Instituto Centro de Vida (ICV), que apoia a organização e a construção do mecanismo. Pelas restrições impostas pela pandemia da Covid-19, o processo coletivo de elaboração do fundo aconteceu na maior parte do tempo de forma virtual. Apesar das dificuldades dos encontros à distância pelo escasso acesso à internet e às ferramentas disponíveis para reuniões remotas, o resultado das conversas evoluiu. Foi construído um regimento, que deve ser aprovado e oficializado na próxima assembleia da Repoama, no fim de agosto. “Conseguimos avançar de forma eficiente no processo. A construção participativa com os agricultores é crucial para que o fundo funcione, uma vez que vai ser gerido e usado pela rede, que deve participar das decisões e esteja com as informações”, avalia Eduardo Darvin, coordenador do Programa de Negócios Sociais do ICV. Eduardo diz que a construção participativa das regras e a autonomia nos processos pelos agricultores membros da Repoama também são uma exigência da modalidade de certificação orgânica da rede, o Sistema Participativo de Garantia (SPG). “A corresponsabilidade sobre os processos é uma prerrogativa do SPG”, diz. Na modalidade, os próprios agricultores são os responsáveis pelas vistorias dos membros da rede. Atualmente, a Repoama aguarda a visita de equipe do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) para credenciamento da SPG como Organismo Participativo de Avaliação da Conformidade (OPAC) para a certificação. Enquanto não chega o selo, a equipe realiza as articulações necessárias para a criação definitiva do fundo para que os benefícios da certificação atinjam mais famílias na região. CRÉDITO SOLIDÁRIO Informações sobre linhas de crédito, carência, contribuição e prazo de pagamento são debatidos e explicados em uma nova série de oficinas promovidas pelo ICV com cada um dos grupos da organização. Para a assistente administrativa do Programa de Negócios Sociais do ICV e uma das ministrantes das oficinas, Aline Veras, os encontros são importantes para sanar dúvidas práticas do acesso ao recurso. Todas as medidas de prevenção contra a disseminação da Covid-19 estão sendo tomadas. Em uma das conversas, foi explanado sobre a importância dos laços de confiança necessários ao funcionamento do mecanismo. “Exige um processo de confiança entre os agricultores para que dê certo”, diz ao ressaltar a importância da solidariedade nesse processo. “Se eu conheço meu vizinho e sei como ele procede, temos objetivos em comum, é possível seguir em frente. A solidariedade é um elo. Muitas vezes no processo convencional, o interesse é só para uma pessoa ou instituição e no fundo rotativo solidário abarca o usufruto de um bem coletivo”, conclui. Foram definidas três linhas de crédito. Uma será de recurso emergencial, de acesso imediato, uma de investimento de mil a 5 mil reais e a terceira, com projetos que contemplem valores de 5 a 10 mil reais. Para solicitação do crédito do fundo e com exceção do recurso emergencial, os agricultores deverão elaborar um projeto com o ICV. Nele, será realizado estudo de viabilidade econômica e apoio técnico da equipe da instituição. Inicialmente, os recursos irão viabilizar as unidades em conversão orgânica e fortalecer as práticas de produção orgânica, cuja legislação brasileira prevê uma série de exigências: desuso de insumos químicos agrícolas e agrotóxicos, respeito às leis ambientais, manejo de resíduos sólidos e líquidos, e armazenamento adequado de produtos. Com os projetos em mãos, periodicamente os líderes dos diferentes grupos de agricultores pelos quais a Repoama é organizada reúnem os pedidos das famílias e os repassam para a coordenação de núcleo, que são três na rede. Por último, os projetos são levados a uma comissão coordenadora, que deve avaliar e aprovar a liberação do financiamento. “Mas também trabalhamos com o conceito de promoção do bem-viver por meio da agricultura regenerativa”, pondera Eduardo Darvin. “Por isso, a linha emergencial pode atender demandas que não estejam diretamente ligadas às atividades produtivas”, conclui. Como a compra de remédios ou recursos para realização de uma viagem. Para Marcilene, a criação do mecanismo simboliza mais do que insumos financeiros na agricultura familiar. “Vamos ampliar estufas, consolidar o plantio que temos. O bom do fundo é que não é o dinheiro pelo dinheiro, é um alicerce para a família se manter onde ela já mora, carrega o sentido da solidariedade entre nós”, conclui. Sobre o Programa REM MT O Programa REM MT (REDD Early Movers Mato Grosso, em inglês; ou REDD para Pioneiros) é uma premiação dos governos da Alemanha e do Reino Unido, por meio do Banco Alemão de Desenvolvimento (KfW), ao Estado do Mato Grosso pelos resultados na redução do desmatamento nos últimos anos (2006-2015). O Programa REM MT beneficia aqueles que contribuem com ações de conservação da floresta, como os agricultores familiares, as comunidades tradicionais e os povos indígenas, e fomenta iniciativas que estimulam a agricultura de baixo carbono e a redução do desmatamento, a fim de reduzir emissões de CO2 no planeta. O Programa REM MT é coordenado pelo Governo do Estado de Mato Grosso, por meio da Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Sema), e tem como gestor financeiro o Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (Funbio). Saiba mais sobre o Programa REM MT: https://remmt.com.br
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