Uma investigação da Polícia Civil e Ministério Público Estadual (MP-MT) apontou que o deputado estadual Dilmar Dal Bosco (DEM) e o ex-deputado Pedro Satélite (PSD) recebiam passagens e comissões de empresas do transporte intermunicipal de Mato Grosso para impedir uma nova licitação no setor.

Os dois parlamentares e mais 11 pessoas, entre elas empresários do transporte, foram denunciados pelo MP, na sexta-feira (21), pelos crimes de organização criminosa e fraudes. Além desses crimes, os deputados são acusados de receber propina para beneficiar empresas do ramo.

Pedro Satélite nega que tenha recebido propina. Segundo ele, as passagens que recebeu foram para pessoas que procuraram o gabinete dele pedindo ajuda para ir para outra cidade fazer tratamentos de saúde.

“Não tive acesso ao processo, mas participei de mais de 100 comissões na ALMT quando era deputado e não houve nenhum problema. Não recebi propina nenhuma de ninguém. O que houve foi que eu pedi passagem do meu gabinete para pessoas que pediam ajuda e já disse isso ao MP. Não teve nada errado. Estou muito tranquilo”, disse.

Dilmar Dal Bosco disse que está esperando ter acesso ao teor da investigação para então se manifestar.

As empresas Verde Transportes, Transportes Andorinha, Viação Xavante e Viação Motta também foram denunciadas pelo Ministério Público.

O MP pediu a condenação e o bloqueio de R$ 32,4 milhões de todas as pessoas e empresas envolvidas.

Na semana passada, Dilmar, Pedro Satélite e uma assessora parlamentar foram alvos de uma operação realizada pelo MP. A terceira fase da ‘Operação Rota Final’ apura crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e fraude a licitação do setor de Transporte Coletivo Rodoviário Intermunicipal de Passageiros de Mato Grosso (STCRIP-MT).

A investigação, iniciada na Polícia Civil de Mato Grosso, foi encaminhada, com autorização do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso (TJMT), ao Grupo de Atuação Especial Contra o Crime Organizado (Gaeco), em meados de 2019.

Benefícios para impedir licitação

De acordo com o MP, ainda não foi possível determinar o número exato de passagens fornecidas pela empresa Verde Transportes em benefício dos parlamentares como ‘cortesia’.

As passagens eram uma forma de recompensá-los por barragem a licitação do transporte público.

“Os requeridos agiram motivados pelas vantagens econômicas ilicitamente recebidas ao longo de muitos anos, na seguinte proporção:”

Ainda segundo o Ministério Público, Dilmar e Pedro usavam contas bancárias de terceiros para ocultar os negócios que estavam envolvidos e esconder os reais beneficiários dos valores pagos por empresários dos grupos Verde Transportes e Xavante.

As investigações apontam que Dilmar Dal Bosco recebeu, pelo menos R$ 1,3 milhão vindos de fraudes no transporte intermunicipal.

Somente em cortesias, a Polícia Civil estima que o deputado tenha obtido R$ 313 mil durante as duas primeiras legislaturas, entre 2011 a 2019.

Dilmar também recebeu R$ 200 mil em pagamentos via Sindicato das Empresas de Transporte Rodoviário de Passageiros de Mato Grosso (Setromat), e comissão mensal de R$ 760 mil de 2012 a abril de 2018.

“Não se descura, aliás, da efetiva possibilidade de que as vantagens tenham se estendido para além de abril de 2018, quando realizada a operação policial, ou mesmo que perdurem até os dias atuais. Afinal de contas, o deputado continua se valendo do cargo para promover os interesses dos empresários do setor de transporte rodoviário”, diz o MP na ação.

Já Pedro Satélite teria recebido R$ 332 mil em passagens, nos anos das duas últimas legislaturas em que exerceu como titular – 2013/2014 e 2015/2019.

O ex-deputado também foi beneficiário de pagamentos efetuados pela Setromat e que estão registrados nos materiais apreendidos na ‘Operação Rota Final’.

Conforme a investigação, Pedro, em colaboração com o filho dele, Andrigo Wiegert, recebia comissão mensal dos empresários contrários à licitação do STCRIP/MT no valor de R$ 25 mil e, a partir de fevereiro de 2017, foi reduzida para R$ 15 mil.

Nos autos também foram levantadas inúmeras transferências de numerário para a conta bancária do filho do ex-deputado originárias de contas pertencentes a empresas do grupo Verde Transportes e que ocorreram entre 2014 e 2018, totalizando R$ 575 mil.

Também foram rastreadas várias outras transferências do mesmo grupo para a nora de Pedro, entre 2015 e 2016, totalizando R$ 259 mil.

“O montante efetivamente auferido por Pedro e Andrigo, a título de comissão mensal, alcançou pelo menos R$ 1,1 milhão, de janeiro de 2013 a março de 2018”.

Por outro lado, a quebra do sigilo bancário da empresa Orion Turismo, também pertencente aos empresários da Verde, revelou o pagamento de mais R$ 235 mil ao longo de janeiro a dezembro de 2014, efetivado por meio de cheques nominais à empresa Satélite Ltda, que já esteve em nome de Pedro.

Monopolização do serviço

A investigação apontou que a fraude foi cometida por décadas sem solução efetiva, o que resultou na monopolização do serviço de transporte no estado e na cobrança de passagens compostas de tributos que não eram repassados aos cofres públicos.

Conforme estimativa feita pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE-MT), houve sonegação fiscal, além de inadimplência das taxas e multas destinadas à própria AGER-MT, em 2016.

“O erário foi assolado em cerca de 108,53 milhões somente com a sub arrecadação de ICMS (Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação)”.

“Pedro Satélite e Dilmar Dal Bosco não pouparam esforços para colocar seus mandatos populares a pleno serviço dos interesses financeiros de empresários que há décadas operavam as linhas de transporte intermunicipal rodoviário de passageiros em razão da ausência de licitação, notadamente, porque eles mesmos provocavam o arrastamento eterno daquela iniciada em 2012”, diz o MP em trecho da ação.

Comissão para barrar licitação

O MP aponta que os parlamentares usaram da influência política para atender aos interesses dos empresários do setor, inclusive, articulando a instauração de uma Comissão Parlamentar Especial que, em 2015 e 2016, serviu de fachada para manter estagnado o processo licitatório e impedir que uma nova concorrente entrasse em operação e comprometesse a lucratividade dos envolvidos.

“Em 2015, os parlamentares subscreveram o requerimento que baseou a ordem de suspensão da licitação pelo ex-secretário chefe da Casa Civil, Paulo Zamar Taques, e em 2016 eles mobilizaram o TCE na reapreciação de fatos que já havia julgado improcedentes em processo anterior, usando a referida comissão para o registro da Representação de Natureza Externa”, explica o MP.

Quando era membro da Comissão, o ex-deputado encaminhou um ofício ao então secretário chefe da Casa Civil, Paulo Taques, recomendando a suspensão por 90 dias da licitação.

Satélite e Dal Bosco também pediram ao TCE a suspensão do ato de adjudicação de lotes da concorrência.

Conforme a investigação, os documentos anexados à representação ou que fundamentaram o relatório conclusivo não foram providenciados pela Comissão em nome da qual supostamente os deputados atuavam.

Em 2018, segundo o MP, Pedro teve participação ativa no combate à licitação do STCRIP-MT, trabalhando juntamente com os empresários do transporte.

Naquele ano, foi publicado o aviso de reabertura do edital que dava continuidade à concorrência pública iniciada em 2012, e, exatamente um mês depois, foi proferida uma decisão liminar suspendendo novamente o curso da licitação.

“Todavia, o instrumento constitucionalmente destinado à proteção do estado não passava de mais um embuste financiado pelos empresários, que além de obstar temporariamente a continuidade do certame, tinha como escopo principal municiar Pedro Satélite na persuasão do chefe do poder executivo a interrompê-lo em definitivo”.

De acordo com o MP, enquanto os empresários deram suporte logístico e financeiro para o planejamento e execução de tudo que envolvia o manejo da ação judicial, sobretudo, a conservação das vitórias alcançadas, o ex-deputado se apropriou da circunstância para tentar convencer o governo a não seguir com o processo licitatório.

Pedido do MP

Na ação, o Ministério Público pede a condenação e bloqueio de bens móveis, imóveis e valores monetários dos denunciados que “enriqueceram ilicitamente e daqueles que lhes proveram essa condição”.

Veja os valores solicitados:

  • Pedro Satélite e Andrigo: R$ 10,2 milhões
  • Dilmar Dal Bosco: R$ 5,1 milhões
  • Verde Transportes: R$ 15 milhões
  • Viação Xavante: R$ 1,1 milhão
  • Transportes Andorinha e Viação Motta: R$ 800 mil
Via | G1
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