Entender as práticas que regularizam as terras em Mato Grosso é essencial para aumentar o controle sobre as terras públicas no estado, combater a grilagem e o desmatamento associado à essa prática. Foi o que atestou um relatório recém-publicado pelo Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) em parceria com o Instituto Centro de Vida (ICV). O trabalho denominado “Leis e práticas de regularização fundiária no estado de Mato Grosso” integra uma série de publicações do Imazon sobre o tema nos estados da Amazônia Legal que visa compreender regras e procedimentos atuais aplicados pelos órgãos estaduais de terra. A motivação para o estudo foi a de auxiliar o processo de compreensão dos desafios e recomendar o que pode ser feito para que o estado adote leis e práticas fundiárias, uma vez que, conforme concluiu o levantamento, os governos estaduais são responsáveis por decidir sobre o destino de 86,1 milhões de hectares ou 17% da Amazônia Legal. Essa área corresponde a 60% das áreas não destinadas ou sem informação sobre destinação na região. Em Mato Grosso, os pesquisadores identificaram e analisaram as principais modalidades de regularização fundiária e as práticas adotadas pelo Instituto de Terras de Mato Grosso (Intermat), órgão responsável pela gestão das áreas estaduais. A publicação traz análises sobre a legislação estadual referente a atribuição e normas, valor da terra, regularização, titularização, além de práticas e organização do órgão – como metas, recursos, gestão de informação e processos, conflitos agrários, entre outros.

VENDA E DOAÇÃO DE TERRAS

A pesquisa foi realizada com base em entrevistas realizadas entre 2016 e 2017, revisão de legislação fundiária do estado e análise de documentos do órgão. O estudo deu ênfase à análise dos processos de regularização por meio de doação e venda de terras públicas a pessoas físicas. São quatro modalidades pelas quais o Intermat é responsável: doação de terra pública de até 100 hectares, venda de terra pública para imóveis até 2.500 hectares, venda especial de terras públicas e emissão de certidão para fins de usucapião. O relatório afirma que a lei atual possui características que podem fomentar a ocupação de terras públicas para fins de apropriação e a expansão do desmatamento ilegal em Mato Grosso. “Observamos que já houve uma iniciativa de atualizar a legislação fundiária estadual em 2019. Porém, há pontos críticos que não foram tratados. O estado precisa, por exemplo, definir uma data limite para ocupação de terra pública que pode ser regularizada. A falta dessa data faz com que áreas ocupadas até futuramente possam receber título de terra, o que representa um estímulo para a continuidade da ocupação de terra pública. Além disso, esse tipo de ocupação está geralmente associado a desmatamentos e a lei não impede a titulação de áreas desmatadas recentemente e nem exige compromisso de recuperação de passivo ambiental antes da emissão do título”, diz a advogada Brenda Brito, pesquisadora do Imazon e coordenadora do estudo.

TRANSPARÊNCIA DE DADOS

Um exemplo em relação à ausência de acesso a dados foi em relação à destinação de terras públicas. O relatório apontou que cerca de 10,5% do território do estado, o correspondente a cerca de 9,3 milhões de hectares, não estão destinados ou não há informação sobre sua destinação. A maior parte desta área não destinada (57%) pertence ao governo estadual, ocupando 6% de Mato Grosso, e já está inscrita no Cadastro Ambiental Rural (CAR). “Porém, devido à ausência de informações públicas sobre a situação fundiária desses imóveis (se posse ou titulados), não os consideramos como imóveis privados pois é possível que muitos sejam ocupações em terras públicas sem titulação”, discorrem os pesquisadores. Além disso, para 3,5% do estado não foram encontrados dados sobre processos de destinação ou ocupação. A coordenadora do Programa de Transparência Ambiental do ICV, Ana Paula Valdiones ressalta que um dos motivos para a baixa disponibilidade de dados advém do Decreto Estadual nº 1813, de 2013. A medida estabeleceu que o acesso às informações da base do Intermat é feito por meio de requerimento justificado e que os dados da Base Digital são sigilosos. De acordo com a especialista, essas duas determinações vão contra o previsto pela Lei de Acesso à Informação. “A Lei Federal determina que a transparência é a regra e o sigilo a exceção. Classificar a base fundiária como sigilosas dificulta o controle social nessa agenda que é tão importante para se pensar o uso e ocupação do solo no estado”, diz. Em algumas das análises, também foi identificada incoerência de dados entre bases fundiárias de órgãos federais e o órgão estadual. O que, de acordo com os pesquisadores, faz com que as estimativas levantadas pelo relatório devam ser “tratadas com cautela”. O baixo nível de disponibilidade das informações, aponta a especialista, pode afetar o acompanhamento da situação fundiária no estado e da implementação de programas, como o Terra a Limpo. O projeto Terra a Limpo foi aprovado em 2019 pelo Fundo Amazônia/BNDES, e transformado em programa pelo Governo do Estado de Mato Grosso por meio de um decreto estadual em seguida. Entre as medidas, o programa visa a diminuição do desmatamento e conflitos de terras, segurança jurídica de agricultores familiares e contribuir para a regularização fundiária.
Via | Assessoria ICV
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