Profissional compartilha reflexões e conta os desafios de quem atua na linha de frente do combate à pandemia.
Thalita Pauletto é natural de Rondonópolis (MT). Mestre em saúde do idoso e especialista em enfermagem cardiovascular, atualmente, é a enfermeira responsável por uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI) de um hospital particular em Cuiabá (MT). Trabalhando no combate à covid-19 desde o começo da pandemia, em março de 2020, viu sua vida ficar restrita à profissão que tanto ama. Em um ano, perdeu pacientes e amigos para a doença. Por vezes, fica dividida entre ter fé ou encarar a realidade dos prognósticos clínicos. Talento em pausa Thalita conta que a experiência prática com a enfermagem, além do período de residência, veio durante a pandemia. “É a primeira vez que trabalho como responsável de uma UTI. E tem sido muito difícil! A minha vida se resumiu a ser enfermeira. As possibilidades de sair de casa se reduziram a trabalho, farmácia e mercado”, explica.
Cantar é uma das maiores paixões da vida de Thalita. O talento está em pausa no momento devido à dedicação dela, como enfermeira, no combate à covid-19. [Foto: Arquivo Pessoal]
Recentemente, ao participar de um culto religioso presencial, notou o quanto sente falta de usar aquele que considera seu maior talento dado por Deus: cantar. “Quando vi as meninas cantando, me deu muita saudade de fazer o mesmo na igreja. Fui cantando junto com elas e fiquei me perguntando: será que ainda sei cantar?”, emociona-se. A enfermeira relata que desde muito pequena, a música ocupa um lugar especial na vida dela e da família. “Eu amo cantar! É o meu talento dado por Deus. E tem feito falta para mim como cristã e como mulher, porque essa é uma das formas com que me sinto útil na minha comunidade,” afirma. Fé versus prognósticos Desde que a pandemia começou, Thalita revela que as pessoas a veem como uma referência e é comum a procurarem para saber o que fazer diante de um diagnóstico de covid-19. “Me pedem ajuda principalmente quando um familiar está hospitalizado. ‘Você pode ver como ele está? Fala com o médico para mim? Será que não temos outras opções?’, me perguntam”. Embora saiba da importância da sua profissão, confessa que por vezes esse fardo é muito difícil de carregar. “Então me questiono: será que devo ter fé ou encarar a realidade de um prognóstico clínico? Eu sei que a nossa fé precisa ser maior do que o que a gente vê. Mas, nós, profissionais de saúde, vemos tanta coisa que é natural a fé ficar abalada”, reflete. É nessas ocasiões que ela clama a Deus por um milagre, mesmo quando sabe que o paciente está em estado grave. “Às vezes esse milagre não acontece e vem a fatalidade. Nesses momentos a Thalita enfermeira e a Thalita cristã entram em um embate doloroso. Contudo, eu tenho uma equipe que depende de mim, pacientes que dependem de mim, a minha família que está preocupada com meu trabalho e eu preciso ser mais forte do que consigo”, enfatiza. “A gente até aprende a ser forte, mas é muito difícil quando perdemos um paciente jovem, uma gestante ou dois pacientes em um plantão de apenas 12 horas, ou quando precisamos fazer massagem cardíaca até as nossas costas doerem. Será que fiz tudo o que devia? Será que devia ter me antecipado, ter gritado? O que eu poderia ter feito de diferente?” A enfermeira crê que diante desses desafios sua fé faz a diferença e lhe dá a tranquilidade de agir em momentos delicados, como o de uma intubação. “Sou eu que converso com o paciente antes desse procedimento e explico: ‘Agora o senhor vai dormir e não vai sentir nada. Quando o senhor acordar, eu estarei aqui’. No entanto, às vezes esse paciente não acorda mais. E aquele último olhar de medo fica comigo na minha cabeça”. “É meu trabalho preparar o corpo e fechar aqueles olhos pela última vez. Sou eu que chamo a família, que dou a notícia para a mãe, a esposa, o filho. Sou eu que arrumo e entrego os pertences e que faço a identificação daquele corpo”, detalha com a voz embargada e os olhos cheios de lágrimas. Apesar do abalo e da tensão, é justamente acreditar em um futuro melhor que faz com que ela consiga reorganizar os pensamentos e seguir em frente. “A minha fé me faz confiar que esse é o desígnio de Deus e que eu posso ser instrumento dEle nessas ocasiões. Então eu procuro abençoar os pacientes, as famílias e espero poder abençoar aqueles que ainda virão à minha mão para eu cuidar”, complementa. Para a enfermeira não há alegria maior do que dar alta para um paciente. “Faço com muito prazer! Ele ganha a plaquinha escrita ‘Venci a covid-19’, vai para casa e uma parte dele vai comigo, porque eu participei e contribuí para o processo de cura. É quando meu coração aquece! Entre perdas e ganhos a gente vai andando a cada dia e esperando que isso acabe!”, desabafa.
Foto 02 – Diante dos desafios de uma UTI, a enfermeira se apega à sua fé para agir. [Foto: Arquivo Pessoal]
Infelizmente, a pandemia ainda não acabou! Por isso, ela reforça que agora é momento de se cuidar e ter fé. “Busquem informações em canais oficiais, evitem aglomerações, usem máscaras, mantenham os ambientes arejados e saiam apenas para o necessário. Façam tudo o que puder para se proteger e proteger os seus”. Mês da Mulher Neste Mês da Mulher, Thalita almeja apenas dias melhores, ter os sonhos realizados e que possa voltar a cantar em breve. Deseja, ainda, que as mulheres tenham o direito de escolha. “Se quer ser profissional e sair todo dia para trabalhar, por exemplo, ou quer ficar em casa cuidando da família, dos filhos e que não sejam julgadas por isso. Que eu possa escolher ter filhos ou não. Não sou mulher apenas quando gero filhos, sou mulher porque Deus me criou”, declara. “Que as flores e presentes não venham só nesse dia, porque a gente gosta de ganhar flores, de ser amada, valorizada, de ouvir coisas bonitas e que sejam verdadeiras. Que tenhamos mais mulheres no poder e que nos defendam de verdade. Que a Lei Maria da Penha seja real e que as mulheres se sintam seguras e acreditem que a Justiça existe. Que consigam ajuda sempre que precisarem”, acentua. E reforça ainda: “Eu estou à disposição se alguma mulher necessitar de ajuda psicológica ou material. Que, como mulheres, possamos ser uma comunidade e nos ajudarmos. Pois, nenhuma mulher merece ter marcas de agressão no corpo, no rosto ou na alma”. Cápsula do Tempo Thalita é uma das participantes do projeto Cápsula do Tempo. Cinco mulheres foram convidadas a escreverem uma carta para si mesmas, para quem elas serão daqui um ano e poderão abrir estas cartas somente em 8 de março de 2022. No vídeo abaixo é possível conferir como foi essa experiência e algumas das reflexões que elas compartilharam.  Para assistir ao vídeo, clique aqui: CÁPSULA DO TEMPO    
Via | Assessoria
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