Mato Grosso  – Alinhar sustentabilidade e produtividade não apenas é possível, como extremamente eficiente na pecuária bovina de corte na Amazônia.

Foi o que mostrou a “Na Rota da Pecuária”, evento que reuniu estudantes, técnicos e profissionais da área em uma expedição do dia 4 ao dia 8 de janeiro em visitas a sete fazendas de médio e grande porte de cinco municípios da região norte e noroeste de Mato Grosso.

O evento apresentou em campo os resultados da aplicação boas práticas de produção que permitiram aumento da produtividade dos rebanhos sem a abertura de novas áreas, feita pela prática do desmatamento.

O encontro foi realizado pela Campo S/A em parceria com o Instituto Centro de Vida (ICV) e contou com a presença de membros do Grupo de Estudos da Pecuária Integrada da Universidade Federal de Mato Grosso (GEPI/UFMT) e da Embrapa Agrossilvipastoril.

Dentre alunos de graduação e pós graduação, técnicos, professores e especialistas, foram 25 participantes da expedição elaborada diante da demanda da extensão rural para as propriedades rurais na região e de maior proximidade entre campo e academia.

“Não existe a divergência da questão socioambiental com a produção, muito pelo contrário, complementam-se. O que se precisa é de técnicos capacitados e mão de obra qualificada”, afirma Eduardo Florence, consultor do ICV.

MAIS GADO EM MENOR ESPAÇO

“Temos o potencial regional de duplicar a produtividade de carne sem desmatar nenhum hectare”, avalia Murilo Saraiva Guimarães, diretor da Campo S/A, empresa de consultoria técnica localizada em Alta Floresta.

O norte e o noroeste de Mato Grosso passaram por um intenso processo de supressão de vegetação nativa a partir da década de 1980, quando a região passou a ser ocupada por produtores rurais advindos do Sul do país motivados pelos incentivos econômicos governamentais à época para a colonização da área.

Desde então, a área viveu diferentes ciclos econômicos: cultivo de café, garimpo, madeira e pecuária, hoje a principal atividade produtiva da região cujas condições ambientais são favoráveis pelo curto período de seca, o que beneficia a criação de gado.

Uma das principais técnicas demonstradas nas propriedades foi o uso do sistema rotacionado em detrimento do uso extensivo do solo.

Nele, o gado é criado em piquetes, espaços definidos e limitados no campo onde permanece por período determinado e se locomove entre eles enquanto os pastos utilizados se recuperam para serem utilizados novamente.

Em uma das fazendas, foi apresentada uma produtividade de 38 arrobas por hectare/ano, número significativamente maior do que a média brasileira para recria/engorda, que transita em torno de 8 arrobas por hectare/ano.

Para aumentar os índices, entretanto, é necessária a adoção de uma série de medidas de técnicas e de gestão econômica e humana.

Manejo de pastagem, bem-estar animal, condições de suplementação, manutenção de solo e água e da microfauna do solo, além de adequado planejamento organizacional na fazenda, são elementos-chave.

A primeira etapa do processo de intensificação é o manejo adequado da pastagem. Estima-se que cerca de 50% das áreas de pastagens em território brasileiro encontram-se em estado de degradação.

A consequência direta de um pasto bem manejado é o aumento da produtividade e redução de emissão de carbono.

“Uma planta forrageira é uma usina de fixação de carbono: faz fotossíntese e transforma em carboidratos que vem para a folha e o boi come”, explica Bruno Pedreira, pesquisador da Embrapa especialista no tema e um dos participantes do evento.

Além disso, com uma alimentação de qualidade, o ciclo de produção do animal pode ser encurtado o que colabora para diminuir os níveis de emissão de metano da criação.

O produtor da Fazenda Mir Arkeire, Ayrton Galato viu o seu rebanho dobrar de tamanho em três anos após a adoção das boas práticas.

Uma delas foi a instalação de um bebedouro adequado para que o gado não tenha acesso às Áreas de Preservação Permanente (APPs) da fazenda.

Assim, evita o processo de assoreamento dos córregos, que mantém o abastecimento de água na propriedade e ainda descarta o deslocamento desnecessário do animal, influenciando diretamente no peso e produtividade.

“Você vê o gado degradar uma beira de córrego, estraga uma represa e tomar água suja. Começa então a fazer sentido encanar água. É um investimento que se paga rápido, já tem estudo e cálculo que no decorrer de um ano já se paga o encanamento”, avalia.

Na visita, o professor Dalton Henrique Pereira ressaltou a importância da água como nutriente fundamental e que a qualidade e disponibilidade influenciam diretamente na eficácia do uso de tecnologias de ponta em nutrição.

Para Ayrton, quando a prática implementada mostra resultados, logo se dissemina.

A substituição de insumo químico por um fungo biológico no controle de insetos na pastagem é outro exemplo disso. “Os vizinhos viram que dá certo, hoje são mais de 10 mil hectares que trocaram também”, diz.

INTEGRAÇÃO DE ATIVIDADES

Na Fazenda Bacaeri, foi mostrado aos participantes um caso de Integração Pecuária Floresta (IPF), onde ocorreu aumento de Ganho Médio Diário (GMD) e da taxa de lotação nas áreas.

Atualmente, a fazenda possui rebanho bovino e plantações de Teca, espécie cuja madeira beneficiada é destinada a indústria moveleira.

Inicialmente, a propriedade investia apenas no recurso florestal. “Sempre foi o sonho de meu pai. Em 1989 ele fez o reflorestamento com diferentes essências, mas não deram resultado por falta de conhecimento técnico, depois plantou de novo. A pecuária surgiu como forma de manter a indústria, porque a produção da Teca uma atividade de longo prazo”, conta Fernando Passos, um dos gestores da fazenda.

O ciclo de plantio e corte da espécie é de cerca de 25 anos, então a pecuária é responsável pelos retornos financeiros mais imediatos.

Resultados preliminares de uma pesquisa realizada pela Embrapa na propriedade mostraram que a fazenda pode vir a se encaixar para obtenção do selo de carbono neutro, se inserindo em novos mercados e gerando ainda maior rentabilidade ao negócio.

“Mostraram que a gente sequestra mais carbono do que emite”, comenta.

Além disso, a propriedade possui uma pequena hidrelétrica na propriedade que supre as necessidades de energia das atividades do maquinário da pecuária, da serraria e demais instalações da fazenda.

No município de Nova Canaã do Norte, os estudantes e técnicos também conheceram de perto a fazenda Eldorado, propriedade referência em Integração Lavoura Pecuária (ILP).

DIFICULDADES DE IMPLEMENTAÇÃO

Com a subida dos preços nos insumos e a necessidade de manter-se ambientalmente correto para inserção, as propriedades que deixarem de investir no aumento da produtividade sem degradação ambiental correm risco.

“A gente ganha na produção e na questão ambiental. Hoje ou a gente faz o dever de casa e produz sem desmatar, ou a gente sai fora do mercado. E é rentável, somos provas vivas disso”, comenta Ayrton, que herdou a vocação de seu pai e avô, pecuaristas.

Na pecuária, a sucessão familiar desempenha um papel importante na continuidade da atividade e, para os especialistas, é consenso de que é preciso uma mudança de paradigmas para que as fazendas se adequem ao contexto atual.

“Mostramos aqui iniciativas a serem utilizadas como exemplo. O desafio é mudar a chave dessas pessoas, mostrar que é economicamente viável e tem rentabilidade. É a melhor forma de mudar comportamento”, afirma Murilo, que acredita que a atividade na região tem potencial de competir com iniciativas das regiões Sul e Sudeste.

Para tornar isso realidade, Murilo aponta a necessidade de maior atuação da assessoria técnica nas atividades e no dia a dia dos produtores para adequar as orientações às particularidades de cada propriedade.

Além disso, a gestão organizacional da fazenda exerce papel essencial. “O grande sucesso da pecuária depende da equipe integrada e de planejamento para que as práticas como manejo de taxa de lotação, suplementação, ajuste de consumo, funcionem. E isso é um trabalho de anos de implementação, é preciso acompanhar e dar suporte”, diz.

As fazendas Moleana e Caruru, localizadas em Nova Monte Verde, por exemplo, tornaram-se referência com a implementação de uma sala de gestão onde são debatidas as atividades das propriedades diretamente com os peões.

Também foi adotado sistemas de mensuração da qualificação dos colaboradores e incentivos às capacitações.

Diante da demanda por assessoria técnica qualificada e o distanciamento dos egressos da universidade, Dalton Pereira, um dos fundadores do GEPI e professor do curso de Ciências Agrárias no campus de Sinop da UFMT, avalia que o evento teve a importância de colocar os estudantes em contato com a realidade de campo.

“Muitas vezes o que se aprende na universidade não se aplica na propriedade porque é preciso conhecer as especificidades daquela propriedade, do perfil do produtor, da logística e das dificuldades”, comenta.

Para Ayrton, a presença de técnicos e pesquisadores trazem lições valiosas para o sucesso do empreendimento.

“A tecnologia é essa ponte que consegue transpor o antigo e chegar ao novo. Nossos pais tocavam a pecuária sem acompanhamento técnico, que agora temos. O sistema antigo de desmatar mais para produzi já está superado. Produzimos mais ainda sem derrubar uma árvore”, finaliza.

Via | Assessoria
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