Escritos à mão, cadernos de receitas guardam registros históricos e amorosos de famílias 

Clariane Brandão, de 23 anos, folheia o caderno amarelado pelo tempo, como quem vê um filme. Foi com o caderno de receitas da família que ela teve as primeiras experiências gastronômicas, durante as férias na casa da avó. “O caderno foi herança da minha bisavó, que passou para a minha avó, e que agora está comigo. Ele foi escrito na Fazenda da Cachoeira, em Carmo do Rio Claro, no Sul de Minas, em meados de 1942, por várias pessoas importantes na minha vida”, conta.

Junto com a lista de ingredientes, estão medidas que não se usam mais, como um prato cheio ou um prato raso. A maioria das receitas não ensina o modo de preparo, porque as mulheres sabiam o que tinha que ser feito, era “no olho”, passado oralmente de mãe para filha. Para a herdeira do caderno, a receita mais especial é o bolo de mandioca. “Tia Margarida sempre nos recebe na fazenda com esse bolo maravilhoso”, orgulha-se Clariane.

Durante a quarentena, a professora de Gastronomia da Una Rosilene Campolina,  incentivou seus alunos a resgatarem o caderno de receitas da família ou a começar a fazer um novo. Para ela, os cadernos de receitas trazem lembranças, memórias e histórias. “O meu foi escrito por várias mãos. Recolhi receitas que foram da minha avó, mãe, irmãs e tias. Muitas estão com a letrinha de mamãe. É uma forma de resgatar gostos, cheiros e temperos familiares”, diz.

Para ela a professora, o futuro da cozinha está também no passado. “Encorajo meus alunos a terem um caderno de receitas. A tecnologia é bem-vinda na cozinha, mas se aliada à tradição, o resultado é surpreendente. Uma receita é igual a uma partitura. Está escrita, mas cada um toca a sua, coloca seu tom e seu tempero”, diz.

Antigamente, era comum a noiva ganhar um caderno de receitas para começar a vida de casada.  Júlio César, de 21 anos, aluno do 4° período de Gastronomia da Una, herdou o caderno de receitas da mãe, de quando ela se casou com o pai dele, há 26 anos. São receitas escritas por ela, amigas e familiares, além de colagens de recortes de jornais, revistas e de embalagens de produtos culinários. “Uma coisa que eu acho bacana é que tem algumas receitas com a avaliação escrita do lado, o que ela achou da receita, como boa ou ótima”, conta.

Uma história contada com açúcar e fermento. “No caderno tem receitas que marcaram momentos especiais, como a do bolo de noivado dos meus pais e as receitas que minha avó deixou pra minha mãe. Tem um pavê que fazemos até hoje nos almoços comemorativos”, diz.

A professora do curso de Gastronomia da Una Cláudia Colamarco, 56 anos, começou a fazer o primeiro caderno de receitas quando tinha 14. Na família, todas as mulheres tinham o próprio caderno, onde guardavam com o maior cuidado a relíquia que levavam para o casamento, para ter onde recorrer em caso de dúvida culinária.

As receitas eram colhidas das amigas, das mães das amigas, das tias e aonde quer que fosse que tivesse uma comida gostosa, logo pedia a receita para copiar no caderno, que tem a rosca doce da tia Nila, a torta de palmito da dona Chandoca, o bolo da mamãe, o biscoito de polvilho da dona Henny e assim por diante. Dessa forma Cláudia sabia a origem de cada receita.

A comida e o convívio em volta do fogão e da mesa sempre fizeram parte da vida da família de descendentes de italianos. “Somos dez irmãos, todos excelentes cozinheiros. Eu sempre falo que minha mãe era a melhor cozinheira do mundo. Encontramos e vamos todos para o fogão. Ali tem altos papos regados a vinho, enquanto cada um faz um prato e experimenta de todos, sempre uma festa”, diz.

A docente, doutora em ciência dos alimentos, diz que usa os cadernos mais do que procura novidades no Google. “Meus cadernos de receitas ficam na gaveta da cozinha e quando quero comer o nhoque que minha mãe fazia, abro o caderno e lá está a receita dela”.

Fonte | Assessoria
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