Profissionais que deixaram suas casas para viver no trabalho explicam como é atuar no tratamento de quem tem doenças graves durante a pandemia

A palavra paliativo vem do latim pallium, que significa acolher, cuidar, amparar. A medicina paliativa valoriza justamente o cuidado do paciente e é um complemento aos tratamentos. Quem recebe o diagnóstico de uma doença crônica grave ou terminal, por exemplo, pode receber essa atenção especial. Não apenas o doente, mas toda a família que o acompanha.

“Uma pessoa que está muito doente precisa de uma escuta ativa, o ser humano chega aqui no limite e a perspectiva da morte gera dor e profunda angústia existencial”, diz Samir Salman, superintendente do Hospital Premier, especializado em medicina paliativa.

Diante do desafio de tratar pacientes sob cuidados paliativos em meio à pandemia de covid-19, o hospital paulista decidiu fechar as portas para proteger todos e barrar o novo coronavírus desde o dia 25 de março.

“Foi uma atitude ousada, mas estamos preservando a vida dos pacientes e dos profissionais que trabalham conosco”, explica Samir.

Difícil decisão

A enfermeira Bianca Vieira conta que não foi uma decisão fácil se mudar para o hospital. Recém-casada, a jovem perdeu o chão quando a proposta chegou.

“O primeiro impacto foi pensar: vai ser uma loucura, muita gente junta no mesmo lugar, isso vai dar certo? Como será com as roupas?”, conta Bianca. “Eram muitas dúvidas sem resposta.”

Alojamentos foram organizados para os funcionários
Divulgação

Bianca chegou em casa e conversou com o marido, que optou por deixá-la livre para tomar a decisão. “Pensei bem, não conseguiria ficar longe dos meus pacientes nesse momento e decidi ficar no hospital.”

Médicos e pacientes

Formado em Medicina pela Universidade Federal de Belém, Welissom Souza decidiu vir morar em São Paulo para se especializar em geriatria. O cuidado com o ser humano de uma maneira integral o levou à especialização em cuidados paliativos.

O médico decidiu cursar medicina após acompanhar a avó em um tratamento cardíaco. “Percebi que os médicos, de maneira geral, se preocupavam muito com o quadro clínico, mas se esquecem do ser humano que está ali.”

Cuidado paliativo: o ser humano visto como um todo
Ruam Oliveira/Hospital Premier/Divulgação

A Dona Carmem — como Welissom se refere carinhosamente à avó — morria de medo de hospital, agulhas e da morte. “Ninguém parou para ouvir ou deu a atenção que ela precisava naquele momento.”

O médico lembra emocionado o tratamento de câncer no pâncreas que a mãe fez no próprio hospital em que trabalha. “Ela veio para São Paulo e passou o último mês de vida aqui e foi quando deixei de ser o médico e passei a ser cuidador como o filho.”

Mesmo com a relação afetiva com a instituição, a decisão de morar ali balançou Welissom. “Nunca imaginei viver 24 horas em um hospital, fui processando a informação, lendo o que estava acontecendo na Europa na época e entendi que situações extremas exigem medidas extremas.”

Da cozinha para o hospital

Mesmo quem nunca imaginou trabalhar dentro de um hospital precisou tomar essa decisão de ficar afastado de tudo e todos. O chef Pedro Schatz estava na cozinha de um restaurante de comida vegetariana antes de começar a preparar as refeições da equipe de funcionários e de pacientes do Premier.

Alimentos frescos são higienizados fora da cozinha
Ruam Oliveira/Divulgação Hospital Premier

“Com a quarentena, minha companheira, que trabalha no hospital, me convidou para preparar as refeições dos funcionários”, lembra Pedro.

Assim, comida que antes era entregue pronta passou a ser preparada na cozinha do hospital para diminuir os riscos de contaminação com o novo coronavírus. Os alimentos frescos chegam pela manhã e passam por um processo de desinfecção antes de chegar à cozinha.

Apesar de vegetariano, o chef prepara os pratos que levam carne e demonstra satisfação no papel que exerce no dia a dia dos pacientes. “Nesse momento, temos de dar o máximo de conforto às pessoas que estão vivendo aqui e a comida tem esse papel”, diz.

Rotina na quarentena

Para a equipe de enfermagem, os primeiros dias foram os mais intensos. “Trabalhamos muito, sentíamos a responsabilidade de que tudo precisava dar certo”, explica Bianca.

O jeito foi reorganizar a rotina dos pacientes. “Bolamos estratégias para minimizar o estresse, adequamos as rotinas e as escalas de folga, conversamos e definimos juntos como adequar os dias livres.”

Funcionários participam de aulas de alongamento
Ruam Oliveira/Divulgação Hospital Premier

Na rotina dos pacientes, pouca coisa mudou. Aqueles que se sentem bem podem caminhar no jardim e têm um contato maior com a equipe que mora no hospital.

“Outro dia, sentei ao lado de um paciente tetraplégico, pude conhecer sua história ao mesmo tempo que falamos de comida”, conta Pedro. “Evitamos falar da pandemia, procuramos levar tudo de maneira leve.”

As fisioterapeutas elaboraram atividades físicas que são realizadas pela manhã. A noite, após o jantar, é tempo de lazer. Jogos de tabuleiro e baralho estão ali para quem quiser jogar. Welissom toca piano, um enfermeiro violão. Alguns cantam. E assim os dias de isolamento vão passando.

Saudade da família

Os familiares também tiveram de se adaptar à nova rotina do hospital. Nada de visitas, apenas vídeo conferência.

“Falo com a minha mãe todos os dias, ela está lúcida e consigo conversar por aplicativo”, conta Eunice Schleien, filha de uma paciente internada no Premier. “Costumo levar as coisas que ela gosta de comer, mas não posso entrar.”

A mãe de Eunice tem um problema cardíaco e precisa de cuidados especiais. “Eu imagino que o sacrifício dos funcionários seja grande, mas isso me dá tranquilidade e segurança, sei que minha mãe está protegida.”

Todas as atividades ocorrem dentro do hospital
Ruam Oliveira/Divulgação Hospital Premier

Branca Jurema Ponce acompanha de longe a rotina da mãe que está no hospital. “Eles têm uma rotina de cuidados com as pessoas de forma humana, consideram a saúde de modo integral”, diz.

“A quarentena não é nada simples, nem para nenhum de nós da família, nem para a própria paciente, não foi fácil para a minha mãe se adaptar”, conta.

Branca conta que conversa com a mãe todos os dias, mas virtualmente. “Comprei um tablet grande para poder falar, fazer imagens de vídeo. Só de nos ver, ela fica feliz.”

As famílias também têm acesso direto aos médicos sempre que necessitam e a boletins médicos.

“Vejo meu marido e meu cachorro atrás de um vidro, não posso abraçar e isso dói”, conta a enfermeira Bianca. “Mas vê-los bem, saudáveis, me dá força para começar uma nova semana.”

“Não tenho dúvida que esse período é de grande aprendizado, uma lição de vida”, observa a enfermeira.

A auxiliar de enfermagem, Alessandra Bispo, não recebe visitas. Ela optou por conversar apenas por aplicativos de celular. “Eu moro com meus pais e um irmão, mas sou o braço direito da minha mãe, sei que ela sente muito a minha falta e eu a dela”, diz. “Mas amo o que faço, é muito gratificante ajudar as pessoas.”

Mesmo assim, Alessandra confessa: “A primeira coisa que vou fazer quando sair daqui é abraçar a minha mãe.”

Sacrifício de funcionários de deixaram as famílias em casa para cuidar de quem precisa
Ruam Oliveira/Divulgação Hospital Premier
Fonte | R7
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