A crise atual tem um impacto ainda mais perverso sobre a população de baixa renda. Muitos profissionais sobrevivem da economia informal ou dependem de remuneração por serviços pontuais para pagar as despesas do dia a dia. Com a paralisação geral provocada pelo coronavírus, a maioria dos serviços não essenciais foram cancelados ou adiados. Para piorar a situação, o isolamento individual recomendado pelas autoridades médicas nem sempre é uma opção para quem divide o pequeno teto com famílias muitas vezes numerosas. Em localidades onde a densidade populacional é alta e as necessidades básicas são mais altas ainda, as perspectivas com a situação atual são as piores possíveis.

É assim que vivem moradores de Paraisópolis, a segunda maior comunidade da cidade de São Paulo. Próxima ao Morumbi, um dos bairros mais nobres da capital paulista, Paraisópolis tem cerca de 100 mil habitantes espalhados por 21 mil domicílios em uma área de 10 quilômetros quadrados. Enquanto a densidade demográfica do Morumbi é de 4,1 mil habitantes por quilômetro quadrado, a de Paraisópolis tem mais que o dobro: 10 mil.

O problema é tão sério que Paraisópolis decidiu desenvolver o seu próprio sistema para enfrentar a crise da Covid-19. A estratégia criada pela associação de moradores, formada por 420 líderes comunitários, instituiu a figura do “presidente de rua”, cuja função inclui cuidar de cerca de 300 moradores. “Eles vão fazer aquilo que o poder público não faz”, afirma Gilson Rodrigues, presidente da União de Moradores e Comerciantes de Paraisópolis. Segundo ele, os presidentes de rua vão mapear os 10 quilômetros quadrados de área da favela e organizar o fluxo de doações, cestas básicas e itens de higiene. “Fazer quarentena é possível para quem mora em prédios. Na favela é difícil”, diz o morador Marcus Vinícius Conceição dos Santos.

“Na favela é difícil fazer quarentena. É por isso que o trabalho da Associação dos Moradores é essencial para conter o coronavírus” Marcus Vinicius Conceição dos Santos, morador de Paraisópolis

Quarentena não remunerada

De acordo com levantamento do Data Favela, organização que mapeia o comportamento e o consumo das comunidades de baixa renda, 72% da população de Paraisópolis não têm dinheiro para suportar a condição de quarentena.

A pandemia agrava a condição de precariedade das pessoas que vivem na favela. Ainda segundo o Data Favela, 84% dos moradores em comunidades acreditam que terão redução da renda por causa do coronavírus — 79% já começaram a cortar gastos. Embora a recomendação geral seja para que todos mantenham a higiene e lavem as mãos, o acesso à água e saneamento é escasso.

“Aqui ainda tem lugares em que falta água. Temos caixa d’água há apenas um ano”, conta Jéssica dos Santos, auxiliar de enfermagem. Para o médico sanitarista Gonzalo Vecina Neto, apesar de quase toda a população de São Paulo ter abastecimento de água, as formas irregulares de obtenção que ocorrem em pontos da favela podem prejudicar. “Em dois dias a água armazenada irregularmente apodrece e pode causar doenças”, afirma o médico. Segundo suas estimativas, cerca de 60 mil pessoas podem ser infectadas pelo coronavírus na comunidade de Paraisópolis, o que significa que pelo menos três mil delas vão precisar de internação em unidade intensiva. “Seria uma calamidade” diz ele.

As dificuldades também estão nas comunidades do Rio de Janeiro. No complexo da Maré, conjunto de favelas na zona norte na capital fluminense, 55% dos moradores vivem com renda per capita abaixo da linha da pobreza. Segundo o Censo Maré, pesquisa realizada em 2019 por um grupo de moradores ligado à ONG Redes da Maré, cerca de 140 mil pessoas vivem nas 16 comunidades locais — o complexo abriga um dos maiores centros populacionais do País. A pesquisa apontou que cerca de 7,4% dos moradores têm 60 anos ou mais. Por isso, a ONG Redes da Maré lançou uma campanha para arrecadar doações para os idosos e pessoas carentes da região.

A campanha, que também sugere medidas de limpeza e higienização de materiais, segue as orientações da Fundação Oswaldo Cruz. Comerciantes e fornecedores são tratados com prioridade para estimular o consumo e a economia local. Esse tipo de iniciativa pretende ajudar moradores como Márcia Regina Rodrigues dos Santos, cozinheira e moradora da comunidade Nova Holanda, bairro do Complexo da Maré. “Na minha casa vivem cinco pessoas e eu sou a única que trabalha”, afirma Márcia. Ela lembra que, graças à pandemia, alguns colegas de trabalho foram demitidos e sua carga horária aumentou. As circunstâncias da crise ainda impuseram a ela uma outra agravante cruel: a redução de salário. A crise, bastante grave, é de saúde, mas as consequências, igualmente drásticas, também são econômicas.

As dificuldades também atingem as favelas do Rio de Janeiro. No Complexo da Maré, cerca de 7,4% da população têm 60 anos de idade.

Fonte | R. IstoÉ

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