Especialistas avaliam que empresas devem considerar fatores ligados à qualidade de vida dos funcionários para evitar que eles adoeçam

Reduzir a quantidade de horas trabalhadas é suficiente para evitar doenças relacionadas ao trabalho? Especialistas ouvidas consideram que não, pelo menos no Brasil.

A jornada brasileira para quem tem carteira assinada é de 44 horas semanais. Em países como Alemanha, Suíça, Dinamarca e Suécia gira em torno de 35 horas semanais.

Na avaliação da psiquiatra Leticia Mameri, especializada em medicina do trabalho, a realidade no Brasil é outra, e uma redução da jornada significaria também ganhar menos, o que poderia criar dificuldades para muitos empregados.

“A realidade dos países nórdicos e de primeiro mundo é muito diferente da nossa. O que é aplicável para lá não necessariamente é aplicável para cá. Eu entendo que, talvez para a gente no Brasil, melhor do que reduzir carga horária seja a flexibilização dos modelos de trabalho, como trabalho remoto e horários alternativos, por exemplo.”

A médica ressalta que, além de jornada diária, trabalhadores dos grandes centros urbanos brasileiros enfrentam “um grande fator estressor”.

“As pessoas perdem cerca de 50% da jornada de trabalho delas, ou seja, até 4 horas, com deslocamentos. Para muita gente, isso é muito mais cansativo do que o trabalho em si, mas acaba sendo um fator desencadeador de doenças.”

Transporte é um dos estressores do trabalhador
Evelson de Freitas/Estadão Conteúdo

A presidente da ANAMT (Associação Nacional de Medicina do Trabalho), Rosylane Rocha, acrescenta que o desânimo e os consequentes problemas de saúde que muitos trabalhadores têm em relação à atividade profissional que desenvolvem, às vezes, têm relação com “contextos extralaborais”.

“Gastar muito tempo no transporte para ir e voltar do trabalho gera um sentimento de que ele não está curtindo a vida. Tem que caminhar até a parada de ônibus, esperar muito tempo, condução lotada, chega em casa tarde… o trabalhador sente que ele apenas está sobrevivendo a uma luta diária inglória e começa a ver o trabalho como uma punição.”

Leticia observa que diminuir as horas trabalhadas diariamente não eliminaria o problema da mobilidade urbana. Por isso, considera importante que as empresas ofereçam alternativas aos trabalhadores.

“Sexta-feira é um dia de trânsito terrível em São Paulo. Então, a empresa pode sugerir que neste dia trabalham os funcionários que moram perto. Os que moram longe trabalham de casa. Em outro dia da semana, e isso se reveza em outro dia da semana.”

Para Leticia, as mulheres são as que mais ganham com o trabalho remoto, já que podem se dedicar mais aos filhos.

A possibilidade de horário móvel, em que as pessoas consigam escapar dos horários de pico, também é apontada como um fator positivo.

A presidente da ANAMT frisa ainda que não é apenas a carga horária que está relacionada ao surgimento de doenças relacionadas ao trabalho.

Ela explica que existe um tripé que consiste em organização do trabalho (cronogramas, metas, ritmo de atividades, etc.); condições de trabalho (salubridade, equipamentos, equipe); e relações interpessoais (em que surgem problemas como assédio moral e preconceito).

“Dentro do ambiente de trabalho não apenas a jornada menor é que vai resultar em melhor qualidade de vida no trabalho. O que pode melhorar? Ambiente que tenha cultura harmoniosa, de trabalho em equipe, em que o trabalhador faça parte da construção, do planejamento do processo produtivo da empresa. Espaços de entretenimento e de relacionamento entre os colegas, uma copa onde ele possa se alimentar, espaço para as mulheres amamentarem seus filhos…”

Para Rosylane, é importante que a empresa se preocupe em manter o equilíbrio desse tripé de organização do trabalho, condições de trabalho e relações interpessoais.

“Não adianta fazer a ginástica laboral se quando volta para a mesa o chefe manda ele entregar uma pilha de trabalho em pouco tempo.”

Relacionamentos interpessoais

Embora o excesso de trabalho (jornadas superiores a 60 horas semanais) possa gerar reflexos na saúde em algumas pessoas, nem sempre ele é considerado o único fator, afirma Leticia, que também é médica de um banco.

“Eu não vejo, por exemplo, pessoas adoecendo meramente porque têm metas pesadas para cumprir. Tem funcionários de agências com metas iguais nas mesmas circunstâncias, e as pessoas que adoecem estão em ambientes relacionais ruins. O principal não é nem o chefe, é o colega, o par. A competição, a falta de empatia com o outro, fofoca, bullying… tudo isso pode levar ao adoecimento.”

Rosylane ressalta ainda o fator interno que pode desencadear transtornos psiquiátricos, como os workaholics (viciados em trabalho). “Ele vai adoecer mas não é por causa do trabalho, mas é porque ele não sabe lidar com o trabalho.”

As doenças psiquiátricas mais comuns são a depressão e os transtornos de ansiedade, sendo o agente causador o esgotamento profissional, conhecido como burnout.

Fonte | R7

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