No Brasil, a Constituição Federal de 1988 estabelece que compete aos Estados e ao Distrito Federal a instituição do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores: o IPVA. Estabelece, ainda, que 50% (cinqüenta por cento) do produto da arrecadação do IPVA pertence ao Município onde o veículo foi licenciado. (artigos: 155, III, e 157, III, da CF 88).

Segundo o Dicionário Online de Português (Dicio), veículo automotor é aquele capaz de deslocar-se por seus próprios meios, sem ser puxado ou empurrado. De acordo com o Código de Trânsito Brasileiro (CTB), é todo veículo a motor de propulsão que circule por seus próprios meios, e que serve normalmente para o transporte viário de pessoas e coisas, ou para a tração viária de veículos utilizados para o transporte de pessoas e coisas. (Anexo I, Lei 9.503/1997). Logo, são veículos automotores: carros, barcos, aviões, aeronaves, etc.

Neste sentido, todos os proprietários de veículos automotores deveriam ser contribuintes do IPVA; todavia, só os proprietários de carros é que pagam. E por que os donos de helicópteros e embarcações, por exemplo, não pagam o IPVA? Os Estados até tentam cobrar, mas o Supremo Tribunal Federal (STF) entende que a cobrança é indevida, afirmando que o IPVA sucedeu a Taxa Rodoviária Única (TRU), que historicamente excluiu embarcações e aeronaves. Essa questão foi enfrentada pelo Plenário do STF no Recurso Extraordinário (RE) 379572. Nesta ocasião, o ministro relator Gilmar Mendes votou pela não cobrança de IPVA sobre aeronaves e embarcações. O ministro Joaquim Barbosa, entendendo ser constitucional a cobrança, abriu divergência, mas acabou vencido pela maioria.

Decisão: O Tribunal, por unanimidade, conheceu do recurso extraordinário e, por maioria, deu-lhe provimento, nos termos do voto do Relator, vencidos os Senhores Ministros Joaquim Barbosa e Marco Aurélio, que lhe negavam provimento. Ausente, justificadamente, o Senhor Ministro Celso de Mello. Presidiu o julgamento a Senhora Ministra Ellen Gracie. Plenário, 11.04.2007

Data Venia, a decisão do STF precisa ser revista, pois contraria preceitos constitucionais e, desta forma, contribui para a injustiça tributária. A CF 88 é clara ao prever que os impostos, sempre que possível, terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte. (art.145, §1º, CF 88). Sendo assim, não encontra amparo na CF de 1988 qualquer interpretação que permita a cobrança de IPVA do proprietário de um carro popular (motor 1.0) e não do proprietário de um helicóptero. Quem pode mais?

Tabela 1.

VEÍCULO AUTOMOTOR VALOR RENDIMENTO LÍQUIDO MENSAL DO PROPRIETÁRIO IPVA (PR) . Ano: 2019. Alíquota: 3,5%
CARRO POPULAR 1.0 R$40.000,00 R$3.000,00 R$1.400,00
HELICÓPTERO R$1.000.000,00 R$500.000,00 ZERO

No tabela acima, considerando o IPVA no Estado do Paraná, o proprietário do carro popular destina praticamente 50% de seu rendimento líquido de um mês de trabalho para o pagamento do imposto, enquanto o proprietário do helicóptero, que tem rendimento líquido mensal de R$500.000,00 (quinhentos mil reais), não paga um centavo do imposto.

E o argumento do STF para não permitir a cobrança de IPVA sobre aeronaves e embarcações: a Taxa Rodoviária Única (TRU)? Essa taxa, um tributo federal, foi criada pelo Decreto-Lei nº 999/1969, sendo devida pelos proprietários de veículos automotores registrados e licenciados em todo território nacional. O valor arrecadado com a TRU era vinculado aos gastos com o sistema de transportes, sobretudo para conservação e ampliação das estradas. (CARNEIRO, 2015). Observa-se que a CF de 1988 fez opção pelo imposto e não pela taxa. E o imposto é um tributo não vinculado, pois tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica, ou seja, o dinheiro arrecadado com os impostos pode ser destinado, por exemplo, à saúde, à educação ou à segurança pública. (art. 16, CTN). Há uma grande diferença entre taxa e imposto. E a CF, optando pelo Imposto sobre a Propriedade de Veículo Automotor (IPVA), agora um tributo de competência estadual, deve seguir o princípio da capacidade econômica do contribuinte. Portanto, o entendimento atual do STF deve ser superado.

Todos os argumentos contrários à mudança no imposto são facilmente desmontados, pois a definição de veículo automotor obviamente não exclui aeronaves ou embarcações e, muito menos, aprisiona o significado à utilização terrestre. O IPVA não incide sobre o tipo de utilização dada ao veículo (se terrestre ou não), mas sim sobre a propriedade. Deixar de tributar aeronaves e embarcações é abrir mão de, aproximadamente, R$4,6 bilhões de reais/ano de receita. A conta exclui mais de 12 mil aviões comerciais. (SINDIFISCO, 2018).

De acordo com o SINDIRECEITA (2019), fica evidente que para um equilíbrio ainda maior de nossa estrutura tributária e para a justiça fiscal, são necessárias algumas medidas como, por exemplo, a taxação de aeronaves e embarcações.

Um dos fundamentos da democracia fiscal é a “igualdade de sacrifícios”, que se revela na necessidade de que a perda de bem-estar causada pelo pagamento dos tributos seja igualmente repartida entre todos os cidadãos, o que se obtém pela aplicação dos princípios da capacidade contributiva, progressividade e pessoalidade, de maneira que a arrecadação se origine, o máximo possível, dos tributos diretos pagos pelas pessoas físicas (sobre a renda, as propriedades e as transmissões de bens em geral). (MARTINS, 2009).

Não tributar aeronaves e embarcações é sacrificar as classes baixa e média para favorecer os milionários. É contribuir para a concentração de renda e, consequentemente, para o aumento da desigualdade social. Como eles já aprisionaram a classe política, a justiça fiscal depende da resistência do poder judiciário. E o poder judiciário brasileiro deveria escutar o bilionário americano Warren Buffett, que declarou recentemente que se sente envergonhado de pagar menos imposto que sua secretária e vem defendendo uma tributação mais elevada para as pessoas de faixas de renda superiores. (KOTLER, 2015).

Diante dos argumentos apresentados, a conclusão sobre o IPVA é de fácil compreensão: aqui, quem pode não paga imposto. Chegou a hora da revolução fiscal?!

Alexandre Barros da Costa. Economista (UFPR). Mestrando em Políticas Públicas e Desenvolvimento (UNILA). Especialista em Relações Internacionais (UNILA). Especialista em Direito do Trabalho e Previdenciário (PUC/MINAS).

Referências:

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Casa Civil – Subsecretaria para Assuntos Jurídicos, 1988.

BRASIL. Lei nº 5.172 – Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios. Brasília: Casa Civil – Subchefia para Assuntos Jurídicos, 1966.

BRASIL. Lei nº 9.503 – Institui o Código de Trânsito Brasileiro. Brasília: Casa Civil – Subchefia para Assuntos Jurídicos, 1997.

CARNEIRO, C. Impostos Federais, Estaduais e Municipais. Editora: Saraiva – 5º Edição, 2015.

KOTLER, P. Capitalismo em confronto. Rio de Janeiro: Best Business, 2015.

MARTINS, M. Democracia Fiscal e seus fundamentos à luz do Direito e da Economia. Tese apresentada como requisito para obtenção do Título de Doutor em Direito do Estado pela Universidade de São Paulo (USP). São Paulo, 2009.

SINDIFISCO – Sindicato dos Auditores-Fiscais da Receita Federal.

SINDIRECEITA – Sindicato dos Analistas-Tributários da Receita Federal.

Fonte | Justificando

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