O Colégio de Coordenadores da Infância e Juventude dos Tribunais de Justiça do Brasil publicou, nessa semana, nota pública em favor do Tribunal de Justiça de Mato Grosso e dos magistrados da Infância e Juventude em destaque, que apoiou, juntamente com o outras entidades, as ações da Semana da Adoção de Cuiabá. Primeiramente, há de se esclarecer que, ao contrário do que muitos críticos do evento propagaram, não foram só crianças e adolescentes aptos à adoção que participaram do evento, e os participantes não sofreram identificação vexatória ou constrangedora.

Mais grave ainda foi a publicação de notas de repúdio por parte de entidades que não participaram presencialmente do evento e formaram juízo de valor sem ao menos ouvir os esclarecimentos dos organizadores, visto que muitas delas foram divulgadas antes da prestação de informações pelos organizadores, ferindo de morte o princípio moral refletido no direito constitucional fundamental ao contraditório e à ampla defesa.

O Colégio de Coordenadores da Infância e Juventude dos Tribunais de Justiça do Brasil, muito antes de tal evento, deliberou por apoiar a busca ativa para adoção com divulgação de imagens, desde que realizada por infantes que desejem participar das campanhas, devidamente informados por equipes técnicas sobre todos os seus desdobramentos. Além disso, todos os interessados na adoção devem ser devidamente habilitados para tanto pela Vara da Infância e Juventude da área de residência.

No Brasil, existem mais de cinco mil crianças e adolescentes aptos à adoção de forma imediata, mas que permanecem em acolhimento porque não há habilitados no Cadastro Nacional de Adoção desejando aqueles perfis. Falamos aqui do grupo das chamadas “adoções necessárias”, quais sejam, crianças mais velhas (particularmente a partir de oito anos de idade), adolescentes, grupos de irmãos e infantes com problemas de saúde. Ao completar 18 anos, o jovem é desligado do acolhimento institucional ou familiar, cessando a competência da Vara da Infância e Juventude.

Somente quem atua diretamente com essas crianças e adolescentes sabe da angústia e do sofrimento de que padecem pela falta de uma família e pela insegurança gerada por um futuro tão incerto. Equivocadamente, existe o posicionamento de que deve ser trabalhada a autonomia do adolescente, e não buscada uma adoção. Uma atuação não exclui a outra, competindo à Vara da Infância e Juventude atuar nas duas frentes, desde que os infantes manifestem o desejo de serem adotados.

Pelo Brasil, várias são as iniciativas de busca ativa com divulgação de imagens. Dentre elas, podemos citar o “Adote um Vencedor” e o “Quero uma Família”, no Rio de Janeiro; o “Adote um Boa Noite”, em São Paulo (vencedor no Prêmio Innovare em 2018); o “Adote um Pequeno Torcedor” e o “Projeto Família”, ambos em Pernambuco; o “Encontrar Alguém”, no Amazonas; o “Adote um Pequeno Torcedor, Tchê” e o aplicativo “Adoção”, ambos no Rio Grande do Sul; o aplicativo “A.DOT” do Paraná etc.

Se menos de 20% dos habilitados à adoção alterarem o perfil, não haverá mais nenhuma criança ou adolescente do grupo das “adoções necessárias”, que deseja a adoção, sem uma família. O tema é complexo, mas é cediço que a alteração de perfil ocorre depois de um encontro, seja virtual, seja presencial, com crianças e adolescentes que querem ser adotados, e não estão dentro do perfil previamente restrito. Desse modo, foram realizadas centenas de adoções por meio de todos esses projetos citados, como, por exemplo, de três irmãos adolescentes juntos e de criança com microcefalia.

Se não há estudos que digam com exatidão os efeitos psicológicos decorrentes da participação em uma dessas campanhas sem que ocorra a adoção, por outro lado já se sabe dos efeitos negativos do acolhimento prolongado e da falta de uma estrutura familiar.

O direito à preservação da imagem deve ser interpretado à luz do superior interesse da criança e do adolescente, que são sujeitos de direitos. A lei manda que o magistrado, obrigatoriamente, colha a manifestação de vontade do adolescente em ações de Guarda ou de Adoção, por exemplo, e a falta dessa oitiva caracteriza nulidade. Por qual razão esse adolescente não deve poder manifestar o desejo de participar dessas campanhas, desde que devidamente esclarecido?

Por fim, melhor será que algo positivo surja em razão de toda essa polêmica. Nesse sentido, poderiam todos os que foram muito ativos no debate se engajar em projetos de apadrinhamento e de busca tardia, ainda que sem divulgação de imagens. Uma mobilização nacional, como recentemente vimos para condenar o evento, mas agora para a promoção do direito à convivência familiar e comunitária das crianças e adolescentes fora do perfil desejado para adoção, essa sim seria edificante e propositiva, haja vista que, se menos de 20% dos habilitados à adoção alterarem o perfil, não haverá mais infantes do grupo das “adoções necessárias” esperando uma família em situação prática de verdadeira invisibilidade.

* Sérgio Luiz Ribeiro de Souza é Juiz Presidente do Colégio de Coordenadores das Coordenadorias da Infância e Juventude dos Tribunais de Justiça do Brasil

Fonte | Revista Época
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