As irmãs Kamille, 16, e Katrinne Moraes, 12, sabem de cor as regras sobre o uso da internet da casa. As normas estabelecidas pelos pais, o comerciário Claudemir Carmo e a turismóloga Karla Lopes, vão desde o conteúdo que pode ser visualizado e publicado a horários predeterminados para a navegação em sites e redes sociais. Os aparelhos, que só podem ser usados até as 21h, “dormem” no quarto dos pais. Nos períodos de prova, o uso do celular é limitado a três consultas por dia. Episódios recentes de violência envolvendo o planejamento de crimes em sites acenderam o alerta de pais e professores sobre a segurança de crianças e adolescentes no mundo virtual.

O ataque à Escola Estadual Raul Brasil em Suzano (SP) aumentou a preocupação de Claudemir e Karla. No dia 13 deste mês, um adolescente e um homem encapuzados mataram sete pessoas, sendo cinco alunos e duas funcionárias do colégio. O Ministério Público de São Paulo investiga se uma organização criminosa que atua na deep web – parte da internet que não pode ser encontrada por buscadores como o Google – pode estar por trás do massacre, e especialistas alertam para a importância de os pais ou responsáveis por crianças e adolescentes monitorarem o uso que eles fazem da internet.

As redes anônimas são destinadas ao uso de ativistas políticos e de jornalistas sob censura, mas o sigilo atraindo pessoas interessadas em abrigar conteúdos questionáveis, macabros e até ilegais, incluindo pedofilia. Também na deep web, a Polícia Civil de Pernambuco encontrou, nessa quinta-feira, imagens contendo pornografia infantil. Uma força-tarefa de combate à pedofilia cumpriu mandados de busca e apreensão em todos o Brasil. Em Pernambuco, a polícia prendeu em flagrante dois homens na cidade de Petrolina, Sertão do estado: o estudante Fábio Pires, 32, e o técnico em informática, Dwallemberg Andrade, 35. Com eles, foram apreendidos computadores que acessavam sites de pedofilia.

“Essas notícias nos chocam e aumentam o nosso alerta para essas questões. Temos regras claras sobre horários de uso e publicações. Estou sempre atenta às redes sociais, vejo quem segue, quem comenta. Converso e pergunto sobre o que estão fazendo”, afirma Karla. “Além da preocupação com a segurança delas, nos preocupamos também com outros aspectos, como o sono, por isso, o uso é limitado às 21h. Depois desse horário, os celulares ficam no nosso quarto para que elas não acessem durante a madrugada”, completa Claudemir.

Conversa A estratégia dos pais baseada no lema “mais diálogo e menos repressão”. “Conversamos para que elas entendam a nossa preocupação e estimulamos o amor-próprio para que elas não se deixem influenciar por mensagens negativas”, diz o pai. “Estamos sempre presentes e costumamos dizer que não faremos nada por elas, mas com elas, de mãos dadas”, pontua Karla. As meninas concordam com as orientações dos pais e colocam em prática, inclusive na escola, quando estão longe deles, as lições. “Por conta própria, decidi fechar para amigos o meu Instagram, colocando a configuração no modo privado”, revela Kamille. “Minha mãe conversou comigo sobre um game violento que eu estava jogando com as amigas da escola. Parei de jogar. Minhas colegas também deixaram depois da história de Suzano”, conta Katrinne.

VÍTIMAS E INFRATORES COM POUCA IDADE

Ao monitorar o uso da internet por crianças e adolescentes, pais e professores devem levar em consideração a privacidade delas. O consentimento do filho para que a mãe ou o pai acesso um perfil de rede social, por exemplo, é fundamental. Para isso, o diálogo é o melhor caminho. Os adultos precisam estar atentos não só às possibilidades de a criança ser vítima de um crime que envolva de alguma forma o uso da internet, mas também observar se ela – conscientemente ou não – está praticando algum crime cibernético.

Titular da Delegacia de Crimes Cibernéticos, o delegado Eronides Menezes alerta que os crimes mais comuns no ambiente virtual são crimes contra a honra, como injúria e difamação. O delito de falsa identidade, quando uma pessoa se passando por outra para praticar crime, também está entre as queixas mais registradas na unidade policial localizada na Rua da Aurora, área central do Recife. “Crimes sexuais e extorsão também têm ocorrido. Geralmente, alguém consegue a foto de uma menina, cria um perfil falso e começa a extorquir a vítima para não divulgar a imagem. Nem sempre a extorsão é por dinheiro. Às vezes, é por troca de favores sexuais”, detalha o delegado.

Um crime que tem se tornado comum e vem sendo registrado em delegacias contra crimes cibernéticos de todo o país é o de falsa identidade, seguido de outras práticas ilícitas. Um criminoso cria um perfil falso e conversa com possíveis vítimas. Ele consegue emular a reprodução de uma webcam, mas, na verdade, está colocando na tela da vítima um vídeo que já existe na internet. A pessoa do outro lado confia e também se mostra para a câmera. As imagens são capturadas e usadas para ameaças futuras.

As vítimas desse tipo de crime é geralmente mulher e tem entre 13 a 60 anos. Do total de vítimas, um terço é adolescente. “Normalmente são adultos praticando o crime contra adolescentes, mas também acontece de ser um adolescente contra outro”, explica Menezes. O delegado enfatiza que, apesar o risco, os jovens precisam ter a individualidade respeitada pelos adultos. “O ideal é que o responsável observe o comportamento desse adolescente. Os pais podem ainda usar estratégias como olhar o histórico de navegação, observar os horários de uso e sempre conversar com os filhos. Com diálogo, alertando-os a não aceitar estranhos nas redes sociais, por exemplo, é mais fácil”, afirma.

CRIANÇAS ‘SOZINHAS NA RUA’

Sem fronteiras delimitadas, o ambiente online proporciona inúmeras ferramentas educativas e de interação, mas oferece riscos, principalmente se não houver acompanhamento de perto para uma navegação segura. Permitir que a criança fique sozinha na internet é o mesmo que deixá-la só na rua, dizem especialistas. Mesmo que crianças e adolescentes sejam nativos digitais, da geração pronta para contribuir com o mundo hiperconectado, os pais precisam correr atrás de conhecimento – pelo menos noções básicas – sobre tecnologia para acompanhar o uso feito pelos filhos.

Mãe de um adolescente e uma criança, a pastora Kennya Lisboa, 49, orienta os filhos de acordo com as idades. A menina, Ana Júlia, 9, ainda não tem celular. O mais velho, Pedro Eduardo, 17, acessa a internet e costuma jogar. “Ana Júlia entende o porquê de, apesar de algumas amiguinhas já estarem com celular, ela ainda não ter. Recentemente, com as informações de que uma boneca com mensagens negativas apareceria em vídeos infantis, ela mesma um esparadrapo e colocou na câmera de um tablet que temos. Disse que era para ‘prevenir’. Percebi que ela está amadurecendo e entende os nossos conselhos”, diz a mãe.Ana Júlia conta os dias para completar 10 anos, idade estabelecida pelos pais para ganhar um celular. Pedro, que tem smartphone desde os 10 anos, conversa com os pais sobre os games que joga. O pai tem “um pé atrás” em relação à influência dos jogos na personalidade. Já a mãe acredita que, por si só, não representam perigo. “Acredito que se um adolescente que joga comete um crime, ele tem outros problemas que precisavam ter sido resolvidos”, opina. Professora da pós-graduação em Psicologia Cognitiva da UFPE, Marina Pinheiro pontua que, antes de discutir a relação entre jogos violentos e atitudes violentas, é preciso lembrar que o videogame é uma mídia de entretenimento. Fazendo uma alegoria com o cinema, ela exemplifica que o fato da pessoa gostar de filmes de Alfred Hitchcock (diretor considerado o mestre do suspense) não a torna uma assassina em potencial. A diferença entre o cinema e um jogo, de acordo com a especialista, está no fato de o game permitir vivência mais realista. “Ainda assim, precisamos pensar que nessa imersão, a atividade da criança, em termos da imaginação, do brincar, vai funcionar como uma elaboração criativa. Até mesmo descarregando elementos agressivos. Não existem estudos que apontem para a correlação direta entre videogame violento e comportamentos violentos”, enfatiza. “Todos nós temos fantasias destrutivas, mas isso não significa que vou atuar de acordo com essas fantasias”, conclui. A administradora Ana Carolina de Oliveira, 28, começou a monitorar os passos da filha, Ana Clara Bandeira, 8, quando ela passou a demonstrar interesse em ter contas no Instagram, YouTube e WhatsApp. ”Abro os aplicativos e observo os históricos, conversas, vídeos vistos. Estou limitando o tempo de uso para que não comprometa o desempenho escolar ou de outras atividades, como brincar. Além disso, conto com a ajuda de familiares e amigos para que sempre que vejam algo diferente ou suspeito, comentem comigo”, afirma. UM MUNDO INTEIRO DE POSSIBILIDADES
Cerca de 40% das crianças e adolescentes conectados usam a internet para conversar com pessoas de outras cidades, países e culturas. Foi o que mostrou a pesquisa TIC Kids Online Brasil 2017, divulgada em 2018 pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil. Nas entrevistas realizadas para o estudo entre novembro de 2017 e maio de 2018, sete em cada 10 crianças e adolescentes conectados utilizaram a internet com segurança, segundo declaração dos pais ou responsáveis.
O levantamento mostrou ainda que 36% das crianças e adolescentes participam de páginas ou grupos na internet sobre assuntos de interesse, 28% buscam informações sobre saúde e 22% querem saber sobre o que acontece na sua comunidade. Outros 12% estão conectados para conversar sobre política ou problemas da cidade ou país. Apenas 4% participam de campanhas ou protestos na rede. “Embora as práticas de comunicação e entretenimento continuem predominantes entre a população jovem, a internet oferece inúmeras outras oportunidades de desenvolvimento para a cidadania e engajamento”, ressalta o gerente do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação, Alexandre Barbosa.

A sexta edição da TIC Kids Online estima ainda que cerca de oito em cada dez crianças e adolescentes, ou seja, 85% dos brasileiros com idades entre 9 e 17 anos eram usuários de internet em 2017, o que corresponde a 24,7 milhões de pessoas nesta faixa etária em todo o país. Em 2016, o índice era de 82%. O estudo permite também observar a persistência de disparidades regionais e socioeconômicas no acesso e uso da rede. Enquanto nas áreas urbana o acesso é de 90%, na zona rural a taxa cai para 63%. O índice de consumo de internet nas classes A e B é de 98%, enquanto que nas classes D e E o índice é de 70%. O avanço do uso de disposi- tivos móveis para acessar a internet também foi um fenômeno percebido pela pesquisa. Em 2012, 21% acessaram a rede pelo celular. Já em 2017, o total subiu para 93%, isto é, 23 milhões de crianças e adolescentes. Por outro lado, o acesso por computador registrou queda de 37%, passando de 90% em 2013 para 53%.

Em relação aos conteúdos acessados por crianças e adolescentes, a pesquisa apontou que 39% dos usuários de 9 a 17 anos disseram ter visto formas de discriminação na internet. A percepção desse tipo de conteúdo na rede é maior entre meninas (46%). Entre os principais tipos de discriminação identificados pelos adolescentes estão os de cor ou raça (26%), aparência física (16%) e por preferências sexuais (14%). Asmeninas também estão mais expostas (25%) do que os meninos (12%) a conteúdos relacionados a informações sobre a aparência física, como métodos de emagrecimento.

Fonte | Diário de Pernambuco

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