Seguir a fisiologia espontânea e deixar o bebê nascer naturalmente, respeitando seu próprio ritmo, é a proposta do parto humanizado. Mas não é apenas a opção pelo mínimo de intervenções e de recursos artificiais que caracteriza o método. Essa prática está ligada ao conceito de que a mulher é a protagonista daquele momento. Para tanto, lança-se mão de uma estrutura física e humana que, por meio de técnicas de relaxamento, respiração e alívio da dor, posições que ajudam a dilatação e exercícios que abrandam o desconforto causado pelo esforço do organismo feminino para expulsar o feto ao mundo exterior, é preparada de forma a contribuir para que a mãe defina, a cada etapa do parto, a maneira como deseja vivenciá-la.

Implantado em Rondonópolis pela Secretaria Municipal de Saúde em 2017, o parto humanizado é realizado na Santa Casa, como explica a gerente do Programa de Saúde da Mulher do Departamento de Ações Programáticas, Lorena Nunes: “O Centro de Parto Normal está todo adequado conforme a recomendação do Ministério da Saúde. Ele foi especificamente equipado para essa finalidade e possui banheira e chuveiro, pois algumas mulheres preferem ficar debaixo da ducha enquanto estão em trabalho de parto”.

“Parto humanizado é aquele em que as decisões da mulher são levadas muito mais em conta do que em um parto convencional. Isso significa deixar a natureza fazer seu trabalho, realizando um mínimo de intervenções médicas e apenas as autorizadas pela gestante, sempre levando em consideração a saúde dela e do bebê”, define a gerente do Departamento de Ações Programáticas da Secretaria Municipal de Saúde, Mariúva Valentim.

Uma das características do parto humanizado é que a parturiente sabe o seu limite e o indica à equipe médica que a está acompanhando. “O parto humanizado se refere ao respeito às escolhas da mulher e tudo ocorre no tempo dela. Ou seja, não tem intervenção médica sem a permissão da gestante – como o toque para romper a bolsa, o uso da ocitocina sintética injetada com o soro e a manobra de Kristeller, em que se empurra a barriga da mãe para forçar a saída do bebê”, descreve a doula Flávia Ferreira Polizel, citando a ocitocina, hormônio que produz contrações uterinas e que, muitas vezes, é introduzida via venosa para acelerar o trabalho de parto. Flávia, junto com outras doulas, trabalha voluntariamente na Santa Casa por meio de um projeto firmado entre a maternidade e o curso de medicina da UFMT, o Doulas Voluntárias de Rondonópolis.

Se for necessário realizar a cesariana, como em casos de deslocamento prematuro de placenta, eclampsia, mau posicionamento fetal, problemas de dilatação, entre outros, de acordo com Mariúva, esta intervenção cirúrgica pode ser humanizada. “Na cesárea humanizada, o ideal é que o procedimento chegue o mais perto possível do conceito de um parto normal. A incisão costuma ser do mesmo diâmetro de uma dilatação vaginal, em torno de dez centímetros, e o bebê é retirado bem devagar, sem que o corte do cordão umbilical seja imediato. Após isso, o bebê pode ir direto para o colo da mãe e começar a mamar. Com isso, a separação dos dois não será tão rápida e os primeiros cuidados podem ser feitos ali mesmo, ao lado da mãe, enquanto a equipe termina o procedimento”, sublinha.

CONFIANÇA E ACONCHEGO

Mais confortável, o parto normal proporciona diversas vantagens para a parturiente, como atesta Mariúva: “Constituindo a resposta biológica do organismo à gestação, o parto natural, também chamado de pélvico ou vaginal, permite uma recuperação mais rápida do que a cesariana. E, poupando o organismo de uma invasão cirúrgica, o parto natural, geralmente, não deixa qualquer sequela. Ele segue um ritmo próprio, que começa com a ruptura da bolsa de água, contrações, dilatação do colo do útero, até o nascimento do bebê”. Internamento mais curto, maior ligação entre mãe e filho e redução de alterações respiratórias em recém-nascidos e de complicações para a mulher como hemorragia e infecção puerperal são mais alguns benefícios que o parto normal oferece.

Ao mesmo tempo em que traz bons resultados para a mãe, o parto, nesta modalidade, fortalece a autoconfiança do recém-nascido, segundo Flávia: “Com o parto normal, a grávida passa por um processo que inclui descarga de hormônios. Isso vai preparando o organismo para a amamentação e o leite acaba descendo mais rápido do que com a cesárea e causando um impacto positivo para o bebê. Essa relação gera conforto e eleva a autoestima do neném, que tem que aprender a sugar e começa a se habituar com a entrada do ar nos pulmões, o que pode causar incomodo e dor”.

Para um parto humanizado seguro, de acordo com Mariúva, é preciso que mãe e filho estejam bem e saudáveis, sem nada que exija cuidados extras. “Não importa se ele ocorre na cama, na água, em casa ou no hospital. Em um parto humanizado a ação é toda da mulher, que segue o processo fisiológico do parto. O médico fica ali apenas como um expectador e só interfere se houver algum problema. Quando você humaniza um parto, a grávida fica mais livre para escolher o que a faz se sentir melhor. Pode andar durante o trabalho de parto e determinar quem quer ao seu lado, por exemplo”, observa a gerente.

ORIENTAÇÃO E APOIO 

Além da equipe médica, que é composta por obstetra, obstetriz, enfermeiro obstetra e pediatra, a parturiente tem direito a um acompanhante, que pode ser o pai ou qualquer pessoa de sua confiança. Se a futura mãe tiver uma doula, também pode contar com a sua presença na sala de parto.

“A doula tem uma função informacional no pré-parto. Por meio das consultas, ela orienta sobre amamentação e transmite conceitos e práticas preconizadas pelo Ministério da Saúde sobre parto humanizado. Cabe a ela, também, alertar a grávida sobre a violência obstétrica, que se caracteriza por um comportamento indevido por parte da equipe hospitalar durante o trabalho de parto, como comentários alheios ao momento, piadinhas e pedidos para que a gestante não grite ou não respire. Na verdade, aquela é a hora da mulher gritar, pois assim ela vocaliza e, com isso, solta o períneo que pode estar tenso. Também é importante que ela respire, já que ao focar na respiração a gestante desvia a atenção da dor”, assinala Flávia sobre o papel dessa profissional durante toda a gestação e também no momento da chegada do bebê.

Outras formas de violência obstétrica, conforme a doula, são o toque vaginal em períodos curtos como, por exemplo, de hora em hora, e a episiotomia, também chamada de pique, que é o corte feito no períneo – a região muscular existente entre a vagina e o ânus.

“O toque deve ser feito, mas não o tempo todo. Em geral, no início, para saber se a mulher já está entrando em trabalho de parto ou se deve voltar para casa e, entrando em trabalho de parto ativo, retornar. O trabalho de parto ativo é a fase em que a grávida tem, pelo menos, três contrações a cada dez minutos”, pontua Flávia. Ela lembra que o parto humanizado nada mais é do que o resgate à natureza ancestral da mulher. “É um retorno ao impulso instintivo, pois sempre foi assim. Em outros tempos, as mulheres pariam em casa, naturalmente, e isso foi roubado do universo feminino. A medicina adaptou o parto, da forma como tem sido feito, de maneira a facilitar o trabalho do obstetra, não o da mãe”, nota.

Enquanto a parturiente despende energia para dar à luz, a doula dá o suporte, utilizando técnicas de alívio de dor que não sejam farmacológicas. “Aplicamos óleos essenciais, fazemos massagens e sugerimos posições que favoreçam a gestante e atenuem a dor. Também usamos água quente, bola de pilates e damos apoio emocional com troca de olhares, entre outros recursos, para passar confiança a ela”, detalha Flávia, que recomenda que a gestante que deseja o auxílio de uma doula deve procurá-la para fazer a primeira consulta aos oito meses de gravidez.

Mas não é só reforço físico e psicológico que a doula oferece. Ela também tem a atribuição de mediar a relação entre a parturiente e os profissionais da saúde, como destaca Flávia: “A profissional faz a ponte, traduzindo para a mãe e para o acompanhante palavras técnicas do jargão da medicina a fim de que ela entenda termos usados pela equipe hospitalar e os procedimentos que estão sendo realizados”.

Já o acompanhante deve dar o estímulo e oferecer o suporte emocional que a situação requer. “A missão do acompanhante é dar afeto, pois a gestante sempre busca confiança nele. É dele que vem a força da mulher que, naquele momento, está sensível e emotiva. Além disso, durante o processo do parto o corpo produz várias secreções como urina e fezes, por exemplo. Então, ele precisa ter uma boa estrutura e passar ânimo à mãe. E nunca chorar ao vê-la com dor e sentindo as contrações”, comenta a doula, desconstruindo o romantismo que existe sobre nascimento sem retirar a beleza do evento.

DOR E ENTREGA

Assim que soube que estava grávida, a dentista Karielly Rodrigues Suzuki procurou uma doula para acompanhá-la e instruí-la nos nove meses de espera. Dessa forma, Flávia esteve presente durante toda a gravidez da moça. “Foi uma gestação tranquila”, sintetiza Karielly.

“Eu fiz um plano de parto”, rememora a dentista, que havia se preparado e pensado em todos os detalhes para a chegada do bebê, o que ocorreu na Santa Casa de Rondonópolis, em maio de 2018. O cuidado extremo em planejar justifica-se, afinal, o nascimento do primeiro filho é algo totalmente novo na vida de uma mulher.

“A bolsa estourou no dia 4 de maio, à noite”, conta Karielly, que continua: “A Flávia chegou à minha casa por volta das 7 horas da manhã do dia 5 e se dedicou a mim, me acompanhando com vários cuidados referentes tanto à minha alimentação quanto às atividades que eu realizava. Ela me dava bolacha, Gatorade, comidas leves… Entre as contrações eu dormia, fazia exercícios na bola, praticava técnicas de respiração e, também, caminhava ou ia para o chuveiro. Às vezes, quando eu parava um pouco, ela e meu marido massageavam meu corpo”. Por volta das 18 horas, Karielly pediu para ir para a maternidade.

Flávia ressalta que, durante o trabalho de parto, não é só a mãe que está em plena atividade para a expulsão do feto, mas a criança também está em intenso movimento: “Dentro da mãe, o neném está fazendo esforço físico, porque ele precisa girar e se encaixar de forma a facilitar sua passagem pelo canal vaginal”.

SUPERAÇÃO E ÊXTASE 

Sala de deambulação, banqueta de parto, escadas para a grávida alongar e agachar e instrumentos para os procedimentos com o bebê no pós-parto são alguns dos equipamentos que compõem o Centro de Parto Normal. “É preciso que haja um ambiente acolhedor, de acordo com o desejo da mulher, que pode, inclusive, decidir se prefere a luz baixa ou alta no quarto”, indica a doula. 

“Quando cheguei ao hospital, o médico fez o toque e verificou que eu já estava com oito centímetros de dilatação. Entrei na banheira e fiquei mais calma”, declara Karielly, que frisa a importância de contar com o conhecimento de uma doula e com o estímulo do marido para conseguir realizar seu sonho: “Eu sempre quis fazer parto normal, mas por causa do desgaste físico, achei que não aguentaria. Daí, a atuação deles foi fundamental, pois não me deixaram entrar em desespero e, quando pensei em desistir e pedir a cesária, eles me deram força para prosseguir até conseguir parir do jeito que eu queria, ou seja, da maneira mais natural possível”.

Na madrugada do dia 6, Karielly atingiu seu limite. A dilatação ainda não havia alcançado os dez centímetros. “Eu estava exausta. Naquele momento, pedi a interferência do médico, que usou o fórceps para possibilitar a saída do neném”, narra. Às 4 horas da manhã, Stella nasceu.

Realizada, Karielly pode transmitir o calor de seu corpo à pequena Stella. “Ela estava saudável e tranquila. Veio logo para os meus braços e acertou a pega do peito, conseguindo mamar com facilidade”, lembra a dentista que finalmente pode aproveitar o encontro tão aguardado. O instante de intimidade era só das duas – mãe e filhar eram as estrelas.

Recordando-se da experiência para trazer a menina ao mundo, Karielly assegura que valeu a pena: “Fiquei feliz por ter conseguido evitar a cesárea. Foi bom para a Stella e ajudou no pós-parto. A sensação é de um bem-estar muito grande, pois provei para mim mesma que sou forte e capaz. Se fosse preciso, faria tudo de novo”.

Fonte | Assessoria

Print Friendly, PDF & Email
(Visited 1 times, 1 visits today)