Em conversa com presidente conservador colombiano, mandatário norte-americano diz que um golpe militar triunfaria na Venezuela, mas não deu detalhes

Donald Trump aproveitou nesta terça-feira o seu segundo pronunciamento à Assembleia Geral da ONU, a quintessência do multilateralismo e do diálogo internacional, para intensificar o tom nacionalista do seu discurso, cada vez mais alérgico à globalização, e impor ameaças ao Irã e à China. Do alto da tribuna, à qual subiu depois da hora prevista, o presidente dos Estados Unidos também pressionou os países membros a isolarem o regime de Teerã, que qualificou de “patrocinador do terrorismo”, e prometeu novas sanções por sua corrida nuclear. A Pequim, alertou que não tolerará as “distorções” que causa no mercado, e deixou claro que a tempestade tarifária não amainará.

O presidente também sugeriu a jornalistas que um golpe de Estado contra o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, poderia triunfar. “É um regime que, francamente, poderia ser derrotado rapidamente se os militares decidirem fazer isso”, disse à imprensa na sede da ONU, em Nova York, durante uma reunião com o presidente colombiano, Iván Duque. Trump evitou entrar em detalhes, mas pareceu questionar a valentia dos soldados venezuelanos. Nesta terça-feira, os EUA estreitaram ainda mais o cerco a Nicolás Maduro. O Departamento de Tesouro anunciou novas sanções a um grupo de pessoas do círculo mais íntimo do presidente venezuelano, incluindo a esposa do mandatário, Cilia Flores.

Trump chegou tarde à sede das Nações Unidas em Nova York. Passadas 10h (hora local), quando a cerimônia já tinha começado, a comitiva do presidente ainda não havia saído da Torre Trump, na Quinta Avenida, quartel-general do magnata quando vivia na cidade. A demora levou a organização a antecipar o pronunciamento do presidente do Equador, deixando o dos EUA para depois, Então, com menos de um minuto do seu discurso, Trump teve que fazer uma breve interrupção. “Em dois anos, minha Administração conseguiu mais do que quase nenhuma outra”, disparou. Para sua surpresa, os governantes presentes riram. “Não esperava esta reação, mas está bem”, afirmou.

No fundo e na forma, tudo apontava Trump como o anfitrião de uma festa onde na verdade ele mesmo não queria estar. As risadas de uns e a surpresa do outro mostraram a fratura cada vez maior entre a principal potência mundial e seus aliados tradicionais. O que se seguiu, durante 30 minutos, foi um discurso que pareceu mais um rolo compressor sobre qualquer acordo ou instituição internacional, mas com um inimigo muito claro: o Irã. Se em 2017, em seu primeiro pronunciamento na ONU como presidente, o vilão da história era a Coreia do Norte, cujo regime ele ameaçou com a “destruição total” – e chamando Kim Jong-un de “homem-foguete” –, o alvo principal de seus ataques desta vez foi “a corrupta ditadura” de Teerã. “Pedimos a todas as nações que isolem o regime iraniano enquanto suas agressões continuarem”, disse. “Não podemos permitir que o principal patrocinador do terrorismo no mundo possua as armas mais perigosas do mundo”, continuou.

Washington rompeu em maio passado o acordo nuclear com o Irã, impulsionado em 2015 pela Administração de Barack Obama e avalizado por outras cinco potências (China, Rússia, França, Reino Unido e Alemanha), que buscava paralisar durante pelo menos 10 anos o acesso iraniano à bomba atômica em troca de suspender as sanções econômicas. Apesar de todas as pressões internacionais, Trump desembarcou do plano e reativou as penalizações, o que abriu uma fissura fenomenal com os aliados e elevou a instabilidade na região.

Desde então, as sanções norte-americanas asfixiam o regime iraniano. As exportações de petróleo, coração da economia nacional, afundaram mais de 35% desde abril, e a cotação de sua divisa se depreciou 60% no mercado informal, segundo dados da Bloomberg. E o castigo continuará. Trump advertiu que em 5 de novembro serão reativadas novas sanções, que “outras mais se seguirão”, e que Washington trabalha com outros países para bloquear ainda mais a venda de petróleo.

A política sobre o Irã constitui um dos grandes motivos de distanciamento entre os EUA e seus históricos aliados, e se anteveem mais atritos. Na segunda-feira à noite, em Nova York, poucas horas antes de Trump discursar, reuniu-se o chamado grupo 5+1 – o Irã e os cincos países que continuam no pacto de 2015 –, além da chefa da diplomacia europeia, Federica Mogherini. Esta, no que representa um claro desafio a Trump, anunciou a criação de uma entidade legal para permitir as transações financeiras com o Irã e esquivar assim as sanções norte-americanas. “Isto permitirá às companhias europeias continuarem comercializando com o Irã de acordo com as leis europeias, e poderia estar aberto a outros sócios do mundo”, declarou Mogherini.

O presidente iraniano, Hasan Rohani, por sua vez, denunciou a posição “absurda” de Trump e afirmou que a segurança internacional não pode ser “o brinquedo da política doméstica norte-americana”.

Boas palavras para Kim

O rufar contra o Irã coincide com o otimismo que Trump transmite em relação às negociações para a desnuclearização da Coreia do Norte, depois da cúpula de junho em Singapura e apesar dos poucos avanços demonstrados. O presidente agradeceu a Kim pela “coragem demonstrada” e, antes de sua fala, mostrou-se confiante na realização de um segundo encontro com o ditador. O republicano não deixa de dirigir boas palavras a Kim. E inclusive a Rohani, a quem acusa de financiar o terrorismo e de promover o “caos e a destruição” de seu povo, mas a quem descreveu na segunda-feira como “um homem encantador”.

O manual da geopolítica de Trump inclui uma afabilidade desconcertante com os líderes mais autoritários, o que inclui o chinês Xi Jinping, a quem qualificou de “amigo”. Um amigo, não obstante, que há anos tira proveito dos EUA, segundo não deixa de repetir Trump. O presidente acusa Pequim de valer-se de artimanhas e agravar o desequilíbrio comercial.

“Os EUA perderam 60.000 fábricas desde que a China se incorporou à Organização Mundial do Comércio”, lamentou. Trump ordenou nesta semana a aplicação de novas tarifas a produtos importados chineses no valor de 200 bilhões de dólares, e ameaça sobretaxar outros 267 bilhões. A tensão cresce. Trump foi peremptório nesta segunda-feira: “Os EUA não voltarão a pedir perdão por proteger seus cidadãos”. Mal mencionou a Rússia – apenas para voltar a criticar a Alemanha por seu projeto de oleoduto, que a tornará mais dependente, segundo o norte-americano.

Fonte | El País
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