Temos na quincentenária língua portuguesa do Brasil uma construção linguística bastante interessante e amplamente utilizada para expressar o desejo de possuir algo very special e muito valorizado, algo que alguém sempre quis ter, consumir, comprar, ou coisa que o valha. Trata-se da (quase) inofensiva construção “sonho de consumo”. Aposto que você mesmo já a utilizou (ou ouviu alguém dizê-la) algumas vezes durante a sua vida. Ou não?

A propósito, em janeiro de 2015, a revista Veja veiculou os dez maiores sonhos de consumo dos brasileiros. Um após o outro, apareceram na lista tópicos como viagens internacionais, viagens nacionais, carro, viagens de fim de semana, cirurgia plástica, tratamentos estéticos/spa, eletroeletrônicos, academia, restaurantes badalados e restaurantes que costuma ir com amigos e família. Passados três anos, não creio que o resultado da pesquisa tenha se alterado escandalosamente.

No entanto, o que chama a atenção é que nada relacionado à área da educação foi mencionado nesse levantamento da revista semanal, pelo menos escancaradamente. Talvez a questão educacional esteja subentendida em meio às viagens e o uso de eletroeletrônicos, vá lá. Mas o que o assunto (educação) tem a ver com cirurgia plástica, tratamentos estéticos e restaurantes? Food for thought!

Voltando agora a nossa atenção para o campo específico da linguagem, quando se observa o ranking (ou “a classificação/lista”, se preferir) das línguas procuradas ou estudadas, especialmente nas language schools, logo se percebe que o inglês é seguido (de longe) pelo espanhol e, dependendo do estado e do município a que estamos nos referindo, pelo francês, pelo alemão, pelo italiano, and so on. Nessa, digamos, equação linguística, fatores como a demanda do mercado de trabalho e as prioridades pessoais, só para citar algumas possibilidades, são variáveis que não podem ser desprezadas e muito menos descartadas, embora sejam justificativas mais abstratas (e cada vez menos convincentes) do que a própria língua-alvo.

Em Rondonópolis, por exemplo, de cada 10 aprendizes de idiomas, 8 ou 9 optam por se dedicar ao estudo do idioma bretão. Os motivos para explicar tal escolha são tão óbvios quanto tolos: exigência das empresas e o fato de amigos/parentes também estudarem-no. Há aqueles que alegam que é porque “logo” vão viajar para outros países e querem “estar preparados” no momento em que isso acontecer; há aqueles que dizem precisar “desesperadamente” desse conhecimento para ingressar no ou concluir o seu mestrado ou doutorado; bem como há aqueles que, desiludidos com a Terra Brasilis, ou (“Graças a Deus!” – dizem.) transferidos pela empresa em que trabalham, vão se mudar de mala e cuia para o país em que a língua-alvo é oficial – para nunca mais voltar, se possível. E ainda há o motivo mais irritante (e recorrente) de todos: quando o pai ou a mãe (ou ambos) obriga(m) o filho ou a filha a ingressar ou prosseguir no seu English course – afinal isso ainda dá um certo status social, mesmo que o seu custo (mental e financeiro) no curto, médio ou longo prazo seja altíssimo.

Cabe ressaltar que esses mesmos pais e mães são, regra geral, integrantes de uma geração inteira de frustrados que (ainda) se sentem derrotados por não terem conseguido ser fluentes no idioma de Shakespeare e Joyce (ou algum outro) quando eram jovens, quase sempre por questões ideológicas, ou preguiça mental mesmo. Agora, eles querem ver esse seu sonho (de consumo?) realizado através do seu ou da sua kid/child. Nada mais revolucionário, não é mesmo?

Enfim, antes que eu me esqueça – e esta dica vai para os barulhentos adoradores da deusa Tradução, “sonho de consumo” em inglês não é “dream of consumption”. Longe disso, e muito mais simples do que isso. Na verdade, há muitas, várias, dezenas de possibilidades à disposição. A título de curiosidade, eu diria My dream is to improve my English abroad, ou seja, “Meu sonho (de consumo) é aperfeiçoar o meu inglês no exterior.” Não que seja verdade, mas isso não soa tão mais… natural?

Convenhamos, porém, que, no Brasil em que vivemos atualmente, verdade seja dita, a maioria de nós quer mesmo é ter uma boa noite de sono e, so may it be!, ser capaz de pagar somente as nossas próprias dívidas – e não as “deles” também, se é que você me entende…

Fonte | Jerry Mill -Mestre em Estudos de Linguagem (UFMT), membro-fundador da Academia Rondonopolitana de Letras (ARL), conselheiro da ALCAA (Associação Livre de Cultura Anglo-Americana) e associado honorário do Rotary Club de Rondonópolis

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